Proteu

A entidade da mitologia grega chamada Proteu tinha o dom de se autometamorfosear em seres diferentes. Uma das versões mitológicas é de que exercia uma opressão insuportavelmente cruel sobre os homens. A simples e inexorável passagem do tempo envelhecia-o, levando os homens a acreditarem que soara a hora de livrar-se dele. Mas então, para evitá-lo, Proteu se autometamorfoseava num ser sedutoramente jovem, e os homens desistiam de seu intento. 
Sempre remoçado pelas mudanças de pele, Proteu sobrevivia, interminavelmente. Toda elite dirigente mantém sua preeminência segundo técnicas e estilos peculiares, às vezes semelhantes, mas nunca idênticos. Substrato de experiências históricas cumulativas, oferecem em cada país um aspecto de impressionante continuidade e invariabilidade.No caso brasileiro, há um componente protéico na técnica e no estilo de autopreservação. As mudanças de pele de Proteu podem não melhorar a vida dos homens tanto quanto desejam e necessitam, mas de qualquer forma há uma mudança para melhor. As transfigurações político-institucionais sempre introduziram algum tipo de mudança na vida dos subalternos. O ponto consiste em que as apropriações efetuadas pelos subalternos em cada transfiguração sempre foram limitadas, com saldo escassamente progressista e mesquinhamente libertário – migalhas históricas. Não houve em nenhum caso mudanças revestidas da profundeza e amplitude capazes de criar uma sociedade realmente nova, segundo os interesses e as necessidades dos subalternos. As transfigurações serviram para bloquear mudanças capazes de comprometer a hegemonia. O “novo” absorve o “velho”, isto é, supera-o e, ao mesmo tempo, conserva-o. A mudança implica permanência. A nova ordem, em vez de eliminar a antiga, incorpora-a em larga medida: perpetua a ordem antiga no momento mesmo em que parece negá-la. São mudanças simultaneamente progressistas e retardatárias. Na conciliação do passado e do presente, as desagradáveis carquilhas do arcaísmo transparecem sob o belo disfarce da modernidade. Nas grandes crises, a elite dirigente se divide em tendências conflituosas, da mais conservadora à mais progressista.Mas no momento crucial o autometamorfismo prevalece. As facções desavindas promovem coalizões baseadas em concessões recíprocas que salvaguardam o essencial do status quo. Os adversários de ontem se amalgamam hoje em governos politicamente híbridos e promíscuos que apresentam dupla face – a do antigo e a do novo. Cria-se a sensação de que governos novos rejuvenescem uma sociedade velha. Na realidade, o bastão de comando não muda de mãos. Esse é o caso. Nossa História se tem movido em círculos viciosos marcados pela impotência transformadora de seu povo. A ser verdade que o povo é o motor da História, então o nosso é um motor que funciona em ponto morto. Mas o pessimismo sistemático é anti-histórico e assim imbecil. Não é pois implausível que nossa grande mudança esteja principiando hoje mesmo.
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