Pena de morte

Sou leitor contumaz da seção de cartas de leitores dirigidas aos jornais. E tenho visto com frequência algumas de pessoas que voltam a defender a pena de morte. Isso me assusta, embora compreenda a revolta de muitos contra o atual estado de coisas: violência e morte em grau jamais alcançado entre nós.

O bandido mata. A sociedade mata o bandido. Os bandidos passam a matar dobrado. A sociedade, por seu lado, duplica as matanças de bandidos. Se o ato de matar é que nos é repugnante, como legalizar o assassinato, revivendo e consagrando o velho ‘‘olho por olho, dente por dente’’? Bem, pede-se exceção para os crimes hediondos, tantos que não vale nem a pena citar.

Foto:Reprodução/Shutterstock

São hediondos, sim. Mas teremos então que repetir o gesto hediondo, imolando ritualmente os criminosos?. Deus que dá a vida, até mesmo aos bebês de proveta, porque para fecundar o óvulo ‘‘in vitro’’ precisava existir a centelha inicial de vida, quer no óvulo fecundado, quer no espermatozóide fecundador. E essa centelha misteriosa continua nas mãos de Deus, ou da força criadora, como a chamem, se quiserem; misteriosa, imponderável, fora totalmente do alcance do homem e das suas artes.

Não vamos pensar em pena de morte. E atentar contra as leis da vida é querer tomar na mão o privilégio de Deus. Sua eficácia como elemento dissuasório nunca foi comprovada. Punição bárbara, primitiva, de feroz crueldade. Não adianta modernizá-la, usando cadeira elétrica, injeção letal, câmara de gás. E o julgamento, a sentença, a data marcada, a última refeição, o último cigarro, as últimas palavras compõem um ritual de sadismo inexcedível. E cuja ferocidade fria se iguala à dos crimes que pretende castigar.

O dever da nossa sociedade, assolada por uma onda de violência absolutamente intolerável, ninguém o nega, é aperfeiçoar o processo judiciário, proporcionar as penas de acordo com o delito. Não criar tantas e extraordinárias facilidades para os chamados réus primários.

Há casos de ladrões contumazes que, devido ao seu longo prontuário, são condenados a penas severíssimas; enquanto que um matador, por mais hediondo, tem direito a inúmeras saídas, desculpas, portas abertas, concessões.

As próprias penas existentes no código atual teriam alguma eficácia se não fossem tão permeadas de concessões. Um jovem juiz não achou por bem pôr em liberdade o matador da própria noiva, apesar de réu confesso, por crime executado com requintes de crueldade — tortura, morte lenta por afogamento, e tudo por motivo fútil? Mas quem errou não foi o juiz, foi a lei de malhas largas a que ele se julgou obrigado a obedecer; afinal, juiz existe para cumprir a lei. Se queremos punir um criminoso hediondo, não o libertemos pela morte; e, muito menos, não o liberemos por ‘‘bom comportamento’’ na prisão, ou porque cumpriu um terço da pena, ou porque não há mais lugar para ele nas penitenciárias superlotadas.

Sentença é feita para ser cumprida. E sentença perpétua tem que haver, sim. Se o criminoso hediondo se regenerar na prisão, como se imagina possível que exerça a sua sociabilidade readquirida dentro dos limites do seu confinamento, que pode ser até em ambiente rural, mas sem contato direto com a sociedade que ele tão brutalmente agrediu? Seja professor, enfermeiro, advogado, pregador — mas lá dentro, sem perigo de reincidência. E se não se recuperou, já está lá dentro que é o lugar certo.

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