O tempo voa

Hoje é o primeiro dia do quinto mês de 2019. Como justificar essa pressa toda com a qual os calendários se sucedem, passando-nos a impressão de que, mais do que correr, o tempo voa e, com ele, a vida da gente se esvai? Não é verdade que há bem pouco estávamos envolvidos com as festas de mudança de século?

Eu sei, e muito bem, que essas lembranças só nos tomam de assalto a partir de certa idade. E que antes dessa etapa, quando ainda se é criança, acontece o inverso: entre um Natal e outro o espaço é imenso, o tempo se arrasta em ritmo de tartaruga.

Não ignoro igualmente que depois, enquanto se estiver na casa dos “intas”, a contagem não interessa: flutua-se, indiferente ao desfolhar do calendário. A primeira cogitação sobre o assunto geralmente ocorre com o ingresso no território dos “entas”, sobre cujos trilhos o tempo começa a ganhar velocidade. Sucedem-se o “enta um”, o “enta dois”… o “enta nove” e, de repente, quando menos se espera depara-se o “enta” que nos diz termos chegado à metade de nosso incerto e problemático centenário.. Que horror! – mudemos de assunto – já! – antes que seja demasiado tarde… O que importa hoje é que já estamos nos acostumando com o corcovos do novo século – algo que para muitos de minha geração parecia demasiado distante, provavelmente um ponto inatingível.

Qualquer um que afirme estar ciente do desenrolar dos acontecimentos mundiais dos próximos doze meses, é provável que esteja conectado com alguma rede mediúnica de antecipação da História. Em todo caso, convém estar atento para as análises porque, escoradas nos fatos, podem errar feio ou acertar algo. A soma dos fatos e opiniões parece apontar para dias de sobressaltos, insegurança e terror. Mas, diante de tudo que parece inacessível a nós, telespectadores de cenas verdes com pontinhos de luz ao vivo, simulando o entretenimento do videogame e não o horror da guerra, eu imagino que pedir mais clareza de imagens e fatos é pedir mais realidade a um plano de proporções irreais.
Mas cá estamos, sãos e salvos, aleluia, aleluia…

Por isto, a palavra de ordem a ser obedecida deve ser esta: enquanto houver música no salão e par disponível convém que dancemos, dancemos, até a última valsa, ainda que lenta, se não der para bailar um forró. Por falar em dança, pobre vizinha Argentina! Para quem a conheceu em seus tempos de abastança, com sua capital ostentando riqueza, cantando e bailando alegremente mesmo seus tangos geralmente nostálgicos, custa e dói sabê-la na situação em que se encontra.

Cada notícia que de lá nos chega me devolve à memória, entre outras, as imagens daquela Calle Corrientes na qual ela refletia sua pujança econômica e o bem- estar de sua gente: uma avenida que não dormia, que atravessava suas noites com seus teatros, cinemas, dancings, confeitarias, restaurantes e congêneres lotados por uma população bem vestida, risonha e orgulhosa de poder se proclamar como sendo habitante da cidade mais civilizada, mais próspera, mais culta e mais europeia da América Latina.

Bem, chega de relembranças que soam nostalgicamente. E para encerrá-las nada melhor do que recordar trecho de um velho tango de Le Pera e Gardel, que este último cantava assim: “Mi Buenos Aires querido / cuando yo te vuelva a ver / no habrá penas ni olvido…” etc.

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