O Poder Legislativo, escreveu Rousseau, é o coração do Estado e o Poder Executivo é o cérebro que dá movimento a todas as partes, para concluir, de forma arrasadora: “O cérebro pode paralisar-se e o indivíduo continuar a viver. Um homem torna-se imbecil e vive, mas, desde que o coração deixa de funcionar, o animal morre.”
A imagem é forte, mas os malfeitos sob o patrocínio do parlamento sugerem que, há um bom tempo, vem ele desvanecendo na cinza moral que cobriu formidável parcela de suas decisões no decorrer da onda de baixarias que o País vivenciou e que, pelo visto, ganha passaporte para continuar. Mais que o Executivo, o Poder Legislativo, por força do simbolismo, constitui o vetor de mudanças e aperfeiçoamento da institucionalização e da democracia.
Aos políticos se impõe enterrar de vez o ciclo originado no ventre da ditadura, que nasceu com a concessão autoritária para existência de partidos e se desenvolveu com um oposicionismo monitorado, descambando, mais tarde, neste modelo de tutela de parlamentares, pagamento na boca do caixa, prostituição partidária, adensamento do patrimonialismo, inexistência de ideias e escrúpulos e, coroando o processo, a criação de um (esdrúxulo) parlamentarismo às avessas, caracterizado pela extravagante condição a que se permite o Executivo, qual seja, aplicar leis que ele mesmo institui por meio do abuso de medidas provisórias. Este é o arcabouço que carece de mudança. Se não se criar novo paradigma para a política, o País verá ampliadas as possibilidades de consumar o crime de viver sob o estigma de eterna corrupção.
A independência do Legislativo em relação ao Executivo, meta indeclinável de um conjunto de atores que substitui o poder das ideias pela disputa entre nomes, se estrutura sobre a qualidade partidária, que, por sua vez, depende de estatutos como a cláusula de barreira, abortada pelo Judiciário por inadequação constitucional. A chave do cofre do Palácio do Planalto manterá os parlamentares de pires na mão enquanto se mantiver o orçamento autorizativo, pelo qual o Legislativo apenas autoriza a realização de gastos pelo governo e este segue ou não o rito.
O orçamento deve ser impositivo. Nos Estado Unidos, o Executivo fica à reboque, pois o orçamento é uma peça impositiva de gastos. Estatuto mais que urgente é o da fidelidade partidária. O tempo de filiação de um deputado deve preencher o período eleitoral para o qual foi eleito (quatro anos), sujeitando-se o aventureiro que trocar de sigla a ficar fora do pleito seguinte.
Para ganhar a confiança do eleitor, o representante precisa estar mais próximo a ele, e isso se consegue com a mudança do sistema de voto. Cerca de 80% dos eleitores não se recordam do voto dado ao deputado nas últimas eleições. O ideal seria uma combinação entre os métodos proporcional e majoritário de listas.
E por que não se pensar na possibilidade de o eleitor, indignado diante de eventual traição a compromissos, ganhar competência para destituí-lo por meio de representação (recall legislativo) junto à mesa diretora da Câmara? Se Rodrigo Maia e Eunicio Oliveira pensam algo sobre essa pauta, ninguém sabe. Fazem lembrar um pequeno conto: duas pessoas estão presas numa cela que tem apenas pequena abertura para o mundo exterior. Uma vê estrelas, outra só o reflexo delas na lama. O que enxergam os nossos representantes?