Não temos Messias

Em uma seção do Senado, em 12 de julho de 1841, o senador Nicolau Pereira Vergueiro já diagnosticava com exatidão que uma causa comum aos maiores problemas brasileiros está no fato de nossa organização política preceder a organização social. Diferentemente da história estadunidense, onde desde o princípio a sociedade se autogovernou e se antecipou a sua organização política, tanto que o primeiro esboço formal de uma lei fundamental surgiu apenas em 1620 das mãos dos próprios chefes de família que, ainda embarcados no Mayflower, celebraram o notório Compact; a organização do Estado brasileiro tem sua gênese nas caravelas de Tomé de Souza que em 1549 desembarcou com a completa estrutura do Estado. 

Tínhamos um governo mesmo que ainda não houvesse uma sociedade ou um território a serem governados. No Brasil, a sociedade é obra do Estado e não vice-versa. Sendo o povo criatura e não criador, desde nossa fundação é tradição esperar tudo do Estado e do titular do poder: até milagres. Tal cultura é corroborada pelas grandes transformações políticas e sociais que ao longo da história foram dadas de cima para baixo, como a independência, a abolição, a República. Assim, por sobre a cadeira do presidente adere um musgo de magia e majestade. 

Foto: Reprodução/Shutterstock

Mesmo com a República, permanece um trono sobre o qual se assenta o chefe de Estado, do governo, da administração…e dele o povo tudo espera. Não há um centro de poder simples, inteligível, racional, mas um cetro paternalista, um dublê que sempre pretendeu substituir a pessoa e a sociedade no papel do seu próprio desenvolvimento. A cada quatro anos a mística do trono se reacende. Basta voltar a história republicana mais recente. Todos os presidentes eleitos foram recebidos com ramos de oliveiras. Verdadeiros messias responsáveis pela instauração de um Brasil do futuro que nunca chega, são depositários das esperanças mais profundas e até existenciais de alguns.

A cada eleição um messias, aquele que abre e fecha a torneira da providência do divino Estado, que há 500 anos retrata uma sociedade tíbia e desorganizada. Até quando? O fato de um governo garantir a governabilidade contemplando em seu ministério vários partidos, incluindo seu maior adversário, eloquentemente denuncia a necessidade de profundas mudanças em nossas instituições. 

A primeira delas, dividir o trono em três cadeiras, uma para dirigir a administração pública (que deveria servir a cada cidadão indistintamente), outra para dirigir o governo (dada a um homem de partido, legitimamente ideológica) e uma terceira, neutral, destinada ao chefe de Estado, ponto de unidade e remédio dos grandes antagonismos nacionais. 

É um remédio insuficiente para todos os males, mas curador da nossa mais grave doença política: a hipertrofia do executivo no Brasil, o trono do Messias. O fato de o atual Presidente conter em seu sobrenome o nome Messias, não significa que ele é o profeta ungido para dar ao nosso Brasil inclusive milagres.

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