Leal da Cunha

Em mais um dia muito triste, lá fui eu, rumo a Funerária. Todo dolorido, coração esbodegado. Uma vez mais, entre tantas outras em tempos diversos. Na cabeça – esta impiedosa registradora de fatos que gostaríamos de esquecer – algo que li, faz tempo, entre as preciosidades machadianas. A ideia era esta: a certa altura da vida, os amigos que nos restam são de data recente; os demais, os mais antigos, já foram estudar a geologia dos campos santos. Dura realidade essa. Já a amarguei muitas vezes, sofro-a sempre que realizo meus balanços afetivos.

Quando isso acontece, me belisco, me agrido, me autoflagelo ao me dar conta de que, por essas distorções e ocupações da vida, desfrutei menos do que devia da companhia dos amigos que já se foram, os fujões involuntários. Foi com esses pesares e com lembranças tais que, no último fim de semana, levei meu silencioso abraço de despedida a um amigo muito querido, benquisto e admirado por quantos com ele privaram, sem falar na imensa torcida do Flamengo, sua grande paixão esportiva, e que a ele ficou devendo os vários campeonatos que lhe proporcionou. Posto que nesta altura já desnecessariamente, vou escrever seus dois nomes, o genérico e o próprio.

O primeiro: amigo; o segundo Leal da Cunha. Amigo mesmo, desses que aparecem nas horas más e que tornam mais deleitáveis nossas horas boas. Poderia ir bem mais longe homenageando o afeto que se foi, eis que o tema é tão rico quando a dor de tê-lo perdido. Fico por aqui, porém. O que faço por esta soberana razão: seu nome não rima com morte. Os que o conheceram de perto sabem do que acabo de falar. Os demais – os que não tiveram a aventura de com ele conviver…

Bem, esses não sabem o que perderam. Tomo emprestado o título do filósofo Sêneca, que em seu livro A brevidade da Vida, presenteia-nos com temas que enriquecem o espírito e arejam a mente através de seu pensamento filosófico. Ele aborda o real significado da vida em relação ao seu rápido transcurso temporal e adverte que o problema não é a velocidade do fluxo vital, fonte de lamentos para muitos, mas sim, a forma como se utiliza o tempo.

Quando se passa por problemas de saúde, e com as reflexões que o momento sugere nos perguntamos: para que, dentre as pessoas, tanta soberba? Tanta vaidade? E os arroubos de poder? E as arrogâncias? O egoísmo? Por que o eu cada vez mais eu e o nós cada vez menos nós? E as ambições? A corrupção e a ética, onde fazem moradas? E o vil metal? Não sabem os que pegam do dinheiro sujo o quanto este se transforma em azinhavre da alma.

Por que tantas guerras e o porquê da barbárie que não se desgruda dos que se jactam do poder e da ganância desenfreada? Passamos com o tempo a emoldurar melhor as ideias do mundo e as definições dele. A  vida é um nada neste mundo, mas é bonita e é bonita, como sugere o canto de Gonzaguinha, e o encanto da vida que, por vezes, parece se apagar como a chama de uma vela quando de pequenos sopros, demonstra a nossa fragilidade. Que bom escutar a voz solidária e carinhosa dos familiares e de verdadeiros amigos. Amigo Leal, tenha uma boa morada entre os que passaram por esta vida sem prejudicar ninguém.

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