Tivemos durante este ano, algumas surpresas desagradáveis com a partida de algumas pessoas muito caras, e reajo sempre pensando que em nossos dias, vivenciamos uma triste e perigosa banalização dos sentimentos. As relações são efêmeras, voláteis. A história é um relato das relações humanas. Suas conquistas, seus triunfos, as batalhas ganhas, no relacionamento social, empresarial ou político. Mas também as batalhas perdidas. Pequenas e grandes perdas do cotidiano. As que nem são percebidas, ou nem são consideradas perdas efetivas, como, por exemplo, o próprio tempo vivido.
Por outro lado, a submissão econômica, a opressão e a irracionalidade social, sendo sempre endêmicas na história são causadoras de tantas perdas e, das mais variadas consequências. Quantos de nós trocamos por remunerações, muitas vezes irrisórias, os nossos anos mais floridos e as horas mais coloridas dos nossos dias? As vicissitudes da própria condição humana levam os homens, de um modo geral, a se preocupar com as relações entre a felicidade e a virtude, a liberdade e a justiça, a fé e a consciência, o bem e o mal e, inserindo nesses conceitos as perdas do dia a dia. Alguém já disse que não morremos de uma vez.
Morremos aos poucos, a cada dia, com o enfrentamento das pequenas decepções, desenganos, dissabores, das perdas, mesmo que banais. Um amor incompreendido. A morte de parentes, de grandes amigos ou mesmo um mero desconhecido da via pública, vítima da belicosidade do homem dos nossos tempos. Em confronto com isso tudo e, nos entregando à passividade do silêncio, chegamos à perda maior de todas elas. A derradeira. A definitiva, como paradigma do absoluto: a nossa própria morte. Como dizia Kafka: “Não a morte gloriosa dos deuses, dos santos ou dos heróis, mas a morte cotidiana, banal, burocrática, médico-legal”. A que nos faz ficar fitando o vazio! A que não tem retorno e que, de resto, somente nos cabe o cultivo da esperança da ressurreição, muito embora sempre com o medo do incumprido.
Para George Steiner; “Todas as dicotomias que determinam a condição humana, como a vida e a morte ou a luz e as trevas, podem ser compreendidas como representações específicas, embora difusas, da dualidade absolutamente estabelecida da presença e da ausência”. Já Heidegger, que era agnóstico, fez com que a consciência da morte fosse determinante para a compreensão do significado da vida. Para ele, “apenas a consciência de nossa mortalidade torna a nossa existência preciosa. Se não morrêssemos, tudo perderia o sentido. Tudo o que fazemos hoje, poderíamos deixar para amanhã”. Finalmente com o apoio e fundamento na crença religiosa, de qualquer culto que seja, nas grandes perdas há de se fazer a ligação ainda mais íntima com o Ser Superior no aguardo da passagem para a espiritualidade plena. É nessa ocasião que nos entregamos à solidão pela iminência da presença de Deus.