São muitas as ameaças que rondam o desamparado indivíduo. Razões não faltam para que se diga a toda hora indignado. É cômodo, no entanto, ver-se como simples vítima de uma realidade perversa para assim livrar-se de qualquer responsabilidade. Além do mais, a postura de sofredor impotente em nada contribui para a melhoria da vida pessoal e coletiva.Há motivos de sobra para que o cidadão se diga revoltado com impostos excessivos, governos perdulários e ineficientes, serviços públicos de má qualidade, caos urbano, violência generalizada.
Ocorre, porém, que esse quadro desalentador é resultado da soma da ação de todos. Não é porque há tantas coisas erradas que se justifica uma manifesta falta de envolvimento afetivo com o País.
Não deixa de ser oportunista, expressão apenas de um espírito festeiro, o amor fácil aos símbolos pátrios durante copas do mundo em que nos consideramos favoritos. Não há desgoverno e “problemas sociais” que justifiquem o flagrante desamor às cidades, aos bairros e às ruas. Infelizmente, o que se vê por toda parte é um enorme fosso entre o indivíduo e a comunidade.
É inevitável que com a violência comendo solta o brasileiro se sinta sitiado, ameaçado em cada esquina, e perca muito da alegria de estar com os outros nos espaços públicos. Nada disso, porém, explica a indiferença cívica que caracteriza as relações dos brasileiros com suas instituições e organizações.
Salta aos olhos que não conseguimos nos afeiçoar minimamente às coisas a ponto de nos empenharmos por elas, de procurarmos crescer com elas. Aplicássemos às coisas miúdas de nosso dia-a-dia coletivo um pouco da paixão que devotamos à Seleção Brasileira de futebol e seríamos uma sociedade muito mais coesa e participativa.
Mas por que não temos ou perdemos o sentimento de vinculação ao outro e ao todo? Não aprendemos até hoje a lição de que a defesa dos interesses individuais obriga também cada um a se preocupar com o que é comum.
Talvez o processo de nossa formação social explique por que o brasileiro não se envolve afetivamente com suas instituições. Cobra delas desempenho sem se sentir participando de sua construção.
Enxerga-as como se fossem máquinas defeituosas e não como construções sociais resultantes das ações de cada cidadão. Se comemorações fossem suspensas sempre que as coisas não vão muito bem, o mundo mergulharia numa tristeza funérea.
O fato é que os manipuladores da consciência coletiva invocam as imperfeições, os problemas sociais, como justificativas para um mal pior: a falta de “amor social”. Os cidadãos precisam se ver como construtores do País e de suas instituições. Do contrário, permanecerão na cômoda posição de se indignar e esperar que o bom caia do céu.
O mau funcionamento do País e das cidades não deve servir de pretexto para que fiquem na confortável posição de crítica sem participação. Uma sociedade é edificada com crenças, símbolos, instituições e ações.
Falta por aqui uma saudável dose de apego aos símbolos que definem nossa existência compartilhada. Somos de um pragmatismo destrutivo: se não funciona bem não nos envolvemos. Mas o problema é que se não nos envolvemos não tem como funcionar bem. Este é o dilema.