Passado o Carnaval, escrevo nesta Quarta-Feira de Cinzas e faço uma reflexão sobre os crimes que estão acontecendo em Manaus e no país inteiro. Jovens de classe média e média alta têm frequentado o noticiário policial. Crimes, consumo e tráfico de drogas deixaram de ser uma marca registrada das favelas e da periferia das grandes cidades.
O novo rosto crime, perverso e surpreendente, transita nos bares badalados, estuda nos colégios da moda e vive em elegantes condomínios fechados. O comportamento das gangues bem-nascidas, flagrado em inúmeras matérias, angustia o presente e ensombrece o futuro.
O fenômeno, aparentemente incompreensível, é o reflexo lógico de uma montanha de equívocos. O novo mapa da delinquência não é fruto do acaso. É o resultado acabado da crise da família, da educação permissiva e do bombardeio de certa mídia que se empenha em apagar quaisquer vestígios de valores objetivos.
Os pais da geração transgressora têm grande parcela de culpa. Choram os delitos que prosperaram no terreno fertilizado pelo egoísmo e pela omissão. Compensam a ausência com valores materiais. O delito é, frequentemente, um grito de carência afetiva. Algumas teorias no campo da educação, cultivadas em escolas que renunciaram à missão de educar, estão apresentando seus resultados antissociais.
Uma legião de desajustados, crescida à sombra do dogma da educação não-traumatizante, está mostrando sua cara. A despersonalização da culpa e o anonimato da responsabilidade, características da psicologia acovardada, estão gerando mauricinhos do crime. O saldo da educação permissiva é uma geração desnorteada, desfibrada, incapacitada para assumir seu papel na comunidade.
A formação do caráter, compatível com um ambiente de tolerância e autêntica liberdade, começa a ganhar contornos de solução válida. É a sístole e a diástole da história. A pena é que tenhamos de pagar um preço tão alto para redescobrir o óbvio. Alguns setores da mídia, sobretudo a televisão, estão na outra ponta do problema. O culto à violência e a apresentação de aberrações num clima de normalidade são um convite diário à transgressão.
Algumas matérias de comportamento, carregadas de frivolidade, transmitem uma falsa visão da felicidade. Os conceitos de sacrifício e trabalho, pré-requisitos de uma vida digna, foram sendo substituídos pelo afã desmedido de dinheiro e pela glamourização da malandragem. O inchaço do ego e o emagrecimento da solidariedade estão na raiz de inúmeras patologias comportamentais.
O fecho destas considerações não é pessimista. Os problemas existem, mas não esgotam toda a realidade. Na verdade, outra juventude emerge dos escombros. Toda uma geração, perfilada em dados de várias pesquisas, está percorrendo um itinerário promissor. Notável é o entusiasmo dos adolescentes com inúmeras iniciativas no campo do voluntariado. O engajamento dos jovens na batalha da qualificação profissional é indiscutível.
Há, de fato, um Brasil real que está muito distante da imagem apregoada pelos pessimistas de sempre. Precisamos, não obstante a gravidade dos problemas, recuperar a autoestima. A imprensa que denuncia cumpre um papel ético. Mas, ao mesmo tempo, não deve confundir independência com incapacidade de dar boas notícias. Nossa função não é antinada, mas a favor da informação verdadeira. Por isso, o texto que denuncia a cruel desenvoltura do banditismo bem-nascido é o mesmo que registra o outro lado: o da esperança iluminada.