Dom Quixote

Este ano, o mundo vai comemorar os quatrocentos e doze anos de vida de um dos monumentos da literatura universal: Dom Quixote. Ontem, como hoje, a obra seminal de Miguel de Cervantes Saavedra continua tendo o selo eterno dos valores modernos. Ao escrever Dom Quixote, pretendia ridicularizar os livros de cavalaria, que eram muito populares na sua época, por narrarem histórias fantásticas cheias de realce e pompa na ação dos personagens. Assim, em seu livro, o personagem principal é um nobre que enlouqueceu porque lia sem parar esses romances, e que passou a querer imitar seus heróis preferidos. Amadis de Gaula , Diana , La Araucana e Orlando Furioso são alguns desses livros citados por Cervantes como pertencentes à biblioteca de Dom Quixote. 

Assim, mais do que nunca, estão vivos o Cavaleiro da Triste Figura e o seu fiel escudeiro Sancho Pança, ensinando a arte de viver e ver o mundo. Lembro-me bem quando meu pai trouxe-me o livro, comprado, se não estou enganado, na Livraria Acadêmica da Henrique Martins.  À época, devo, proustianamente recordar, eu era estudante, do curso ginasial, do Instituto de Educação do Amazonas, sob o comando sério, austero e didaticamente correto da professora Lila Borges de Sá e de sua fiel escudeira a bedel Valentina. 

Foto: Reprodução
Relendo-o agora, eu me acosto à interpretação feita por Luiz Paulo Horta, quando observa, de forma elegante e nostálgica, que, “com a cabeça virada pelos romances de cavalaria, Dom Quixote, um arruinado fidalgo espanhol da província de La Mancha, saiu um dia pelo mundo a desfazer agravos e injustiças, montado no seu esquelético Rocinante. A seu lado, enganchado num burro, Sancho Pança era a voz do bom senso; e o melhor do livro (comovente, até) é o modo como os dois vão conversando pelas serras e estradas da Espanha, trocando maneiras de ver – até que, um certo momento, Sancho tem as suas tiradas de Dom Quixote e vice-versa”. 

Por isso, não consigo afastar da minha cabeça a força das ideias desta magistral e sonhadora dupla. do que já conhecemos do Quixote, sem precisar sequer dar-nos ao trabalho de lê-lo, podemos concluir que possivelmente se trata de um louco, manso, mas louco. Porém, procuremos analisar essa conclusão com algo mais de vagar. Há muitas formas de se encarar a vida e a realidade. Há aqueles que olham para a vida e não veem nada além do que seus olhos retêm. Os conselhos, a filosofia de vida, a obstinação, dão-lhe – e à obra – um toque mágico de eterna juventude.

Metáfora à parte, escrito há mais de quatrocentos anos, o texto é de uma teimosa realidade. Sem dúvida, psicografado para os tempos da cibernética. Perfeita, pois, a lição do mestre Ariano Suassuna, quando ensina: “Meu clássico é ‘Dom Quixote’, de Miguel de Cervantes. Ele é o autor do livro onde a condição humana foi melhor expressa na sua polaridade de loucura e rotina. De sonho e realidade”. 

Agora, vou encerrar este artigo, já que Dom Quixote me convoca para, montado no seu Rocinante, viajarmos a Sousa, num passeio sentimental ao poético mundo das saudades. Que não acabam nunca. Como Dom Quixote e Sancho Pança. A herança de Dom Quixote é tão forte que existe até um adjetivo – quixotesco – para se referir aos homens que, como o cavaleiro, são extremamente idealistas.
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