Somos, ao contrário, um povo habituado, o mais das vezes, a transformar as coisas mais graves em jocosidade, o que se acredita ser virtude, sinal de bom humor e de saber viver. Se o riso é um dos mecanismos mais efetivos para corroer práticas autoritárias, manifestando-se, por exemplo, em humor refinado ou ironia elegante, o uso exacerbado e sem critério leva a atitudes que a tudo vulgarizam, banalizando o que é nobre e digno, muitas vezes ridicularizando-o, ou menosprezando conquistas importantes, inviabilizando-as.
Ou, o que é pior, a exposição se faz pela incompreensão, acarretando constrangimento, fazendo com que o alvo da banalização do momento (como gente valorosa demais, que acaba sendo chamada de ‘‘uma gracinha’’) até sinta desejo profundo de sumir, invisibilizando-se. Gente que leva as coisas a sério pode ser chamada de mal-humorado, soturno, enquanto quem faz o tipo ‘‘alegria da festa’’ pode ter a popularidade máxima — ainda que na ética seja lamentável, mas pelo menos ‘‘como é divertido’’.
Vale relembrar aspectos menos encantadores do louvado jeitinho brasileiro (também responsável pela burla a leis, em nome do ‘‘jogo de cintura’’) para buscar compreender as cenas grotescas a que assistimos, no ano que passou, entre membros do Poder Legislativo, nas diversas esferas, em diferentes pontos do território nacional, em diferentes momentos.
É certo que também assistimos a processos inéditos, que levaram à retirada, da cena oficial, de figuras que anteriormente ocuparam lugares destacados, tudo provocado por comportamentos inaceitáveis, antirregimentais, ilegais. Discussão franca e abertura pública dos procedimentos — facilitada em boa parte pela presença correta da mídia — propiciaram o início de novos ares para a democracia tenra que se constrói no Brasil.
Lamentavelmente, não deixaram de continuar havendo sopapos e troca de insultos entre outros representantes eleitos pelo povo para representá-lo na defesa da cidadania e não na cópia das características que mais o fragilizam, porém o início de transformação é evidente. É por isso que vale a pena que as autoridades, por exemplo, do Poder Legislativo, pensem alternativas para a formação dos políticos, que haverá de redundar em benefícios para a população como um todo, tanto em termos de ser mais bem representados quanto em relação à possibilidade de transformação de mentalidade.
Processo característico do tempo de longa duração, é evidente que o Brasil tem, dentro de si, a convivência de vários brasis, não só na óbvia diversidade étnica, racial, cultural, religiosa — e já é difícil adjetivar, tão diversa é — como também na multiplicidade de modos de mentalidades, que se combinam com a diversidade.