Por inteiro. Desde os primórdios o ser humano inventou armas para caçar, para se defender do inimigo, mas passou a usá-las também para dar vazão ao inconfessado gosto agressivo e destrutivo que lhe habita.
Diria que Freud, de certo modo, foi surpreendido com esse lado humano. A principio ele pensava nas pulsões de vida, mas ao observar o panorama de guerras e violências procedentes do convívio humano, teorizou também sobre as pulsões de morte que convivem conosco.
Somos assim: seres agressivos embora também bondosos. Violência e bondade procedem do mesmo material humano. O lado agressivo teve de ser controlado pela cultura. Por isso foram criadas leis e sanções para administrar os excessos daí procedentes, porque como dizia Freud em “O Mal-Estar na Civilização” se o homem for entregue aos seus próprios impulsos, poderá destruir a civilização que, a tanto custo, construiu.
Pelo visto nosso atrativo por armas não é apenas uma questão de defesa, mas também de gosto inconfessado pelo ataque. Quando nos armamos não apenas portamos uma arma, também nos endurecemos para poder dela fazer uso. Não se mata em sã consciência, mas em condições endurecidas, e transtornadas. Aí reside o risco.
O sujeito armado interiormente é a pior das armas. Razão porque não nos basta o desarmamento externo. É preciso que gestos novos nasçam em cada um com a deposição das armas, para que de fato, “desarmamento seja o novo nome da paz” como disse o desembargador Paulo Gadelha no Diário em 9 de outubro. Humanamente falando penso que a evoluída sofisticação das armas é um retrocesso.
Do ponto de vista social o raciocínio deve ser outro. Mas, é no mínimo vexatório, que tenhamos de nutrir tão elevado grau de medo e desconfiança em relação aos outros! Envergonha-me sentir medo de meu semelhante, andar de carro travado, fechado, se possível blindado. Envergonha-me não poder dar carona quando passo nos pontos de ônibus lotados.
O que nos terá levado a tanta desconfiança para com os outros? Questiono o que estamos fazendo à nossa humanidade na medida em que nos armamos cada vez mais. Quando não mais nos amamos, nos armamos. Proponho que nos desarmemos de nossas intolerâncias, de nossas arrogâncias, de nossos lugares de vítima, de nossas relações de poder, de nossas mágoas, de nossas palavras (mal)ditas, de nossos desafetos, das banalizações que mantemos em relação ao outro e à vida.
Receio que estejamos trocando amor por endurecimento e chamemos isso de evolução. Otávio Paz avalia: “O ocaso de nossa imagem do amor seria uma catástrofe maior que a derrubada de nossos sistemas econômicos e políticos: seria o fim de nossa civilização”. O amor, a ternura, bem poderiam ser paradigmas para a convivência humana.
Restrepo diz que isso deve ser adquirido “no terreno amoroso, do produtivo e do político, arrebatando territórios em que dominam há séculos os valores da vingança, da sujeição e da conquista”.
O amor e a sexualidade devem nos desarmar. Por isso compartilharemos as alegrias e a saúde emocional que uma boa vivência da sexualidade possibilita ao cidadão. As reflexões que fizermos poderão facilitar desarmamentos. Assim, nossa mão poderá estender-se para o afago e a solidariedade não para a violência.
O amor e a paz não serão possíveis se estivermos blindados afetivamente.