Declarações inoportunas

As declarações do presidente da República sobre o Poder Legislativo, feitas no contexto das reformas e sob a influência das polêmicas que agitam o país, não podem ser consideradas suficientes para gerar uma crise entre poderes. É evidente que o presidente exagerou ao fazer insinuações sobre “caixa-preta” do Legislativo, e ao generalizar quando o definiu como um poder “que se considera intocável”.

Se tais generalizações são condenáveis vindas de qualquer cidadão, delas obrigatoriamente deveria abster-se aquele que detém a condição de chefe de um dos poderes da nação. Quanto a isso, excedeu-se e abriu flanco para respostas igualmente duras, como a do próprio presidente do Congresso, de que o Poder “está perplexo” com o episódio, interpretando as declarações de Bolsonaro como “um desserviço à sociedade”.

Por trás dessas manifestações, compreensíveis diante das pressões que envolvem especialmente a reforma da Previdência, não se pode dizer que haja elementos para uma crise. Não há por que transformar algumas frases candentes em mais do que são: exageros de linguagem. 

De resto, como todos sabem, tramita no Congresso Nacional um projeto de reforma do Legislativo que representa a oportunidade para o debate e a definição dessas questões, inclusive da que se refere ao controle, externo ou não. Um Poder Legislativo e porque não dizer um Poder Judiciário eficiente, da mesma maneira que as demais instituições de Estado, não pode comportar-se como se fosse representação corporativa ou como um poder distante de qualquer cobrança social.

É fundamental para a construção de instituições realmente democráticas que o amadurecimento atinja estágios em que tais questões sejam tão óbvias e tão cristalinas que não mereçam figurar nas preocupações do país. A ninguém interessa instituições enfraquecidas ou ineficientes. Neste sentido, a cruzada pela reforma e modernização dos poderes deve incluir o debate sobre todos os pontos levantados pelo presidente ou constantes da polêmica que suas manifestações geraram.

O ideal de uma justiça democrática, dotada de celeridade e merecedora da confiança da sociedade, é algo ainda por ser atingido. Os poderes não são nem devem ser ilhas. A receita de seu funcionamento está expressa na própria Constituição: devem ser independentes, mas harmônicos. Os servidores de tais poderes integram uns e outros o mesmo país, servem ao mesmo cidadão e são pagos pelo mesmo contribuinte. Esta igualdade constitui a mais radical e a mais republicana característica das democracias.

Os poderes, não sendo ilhas e devendo ser harmônicos entre si, têm a obrigação de cumprir suas funções institucionais levando em conta os interesses gerais da sociedade, mesmo quando estes eventualmente exijam sacrifício. O termo caixa-preta, que na linguagem da aviação refere-se à aparelhagem que grava dados sobre o funcionamento de uma aeronave, define também “qualquer sistema, instituição, empreendimento etc. cujos mecanismos de funcionamento interno não são claros ou abertos à observação”.

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