Cachaça ou candidato?

Como público alvo de propagandas, sou osso duro de roer. Se ligo o piloto da analista de discurso, detecto argumentos mal-ajambrados, déficit de informação, excesso de apelos, humor desastrado ou empulhações acolchoadas. Quando o desligo, desligo-me e tampouco reajo como a consumidor dos sonhos dos anunciantes.

Diante das mais deslumbrantes ou abiloladas peças publicitárias, meu Q.I. diminui. Na agitação pictórica e sonora dos anúncios de TV, não capto o que a história tem a ver com o produto. Na voz alarmante e veloz dos comerciais de rádio, perco o essencial dos verbos “vá, compre, ligue, peça”.

Ir para onde? Pedir o quê? Nos outdoors, noto os despautérios. Poluem a paisagem e são perigosos para os motoristas. Levo nota zero em recall do produto. Só recordo a imagem da beleza feminina, com seu torso bronzeado e olhar de mormaço. O que é mesmo que a boazuda queria que eu comprasse?

Em um shopping-center, encontrei numerosas faixas e tabuletas onde se lia “biglio”. Perguntei a um vendedor: que produto é este, anunciado em todas as lojas? Ele me olhou como se respondesse a um E.T.: “É big liq – grande liquidação”. O rabinho do Q, estilizado e sunítico, era ilegível.

Genialidade de arte gráfica. Mesmo reconhecendo o termo inglês “big”, não saberia dizer de que língua vinha a palavra “liq”. Além de um glossário de publicites, preciso de um dicionário de lógica publicitária.

Com a propaganda política, meus neurônios dão um nó. Atrapalho-me com os apelos dos concorrentes no mercado eleitoral. Misturo os macetes marqueteiros – tudo igual. Sem maldade, interpreto mensagens pelo seu sentido obtuso, o mais temido pelos comunicadores, segundo tipologia de Roland Barthes. P.ex., minha vista decodifica aqueles panos hasteados nos postes com nomes de candidatos, como bandeiras a meio pau – soturnas em seu simbolismo de luto. Mas muito pior seria se, em vez de vários nomes, fossem bandeiras repetidas com a mesma esfígie de um ditador.

Ouvi no rádio um jingle rimando com “31”. Lá vem besteira de “vote no melhor”, pensei e desliguei. Somente na terceira escuta, percebi tratar-se de anúncio de empresa telefônica. Em tempo de eleição, fica difícil saber se os brados e berros de 21, 22, 23, 31, em carro de som, radio e TV são comunicação política ou telecomunicações.

O mesmo com a “boa idéia” 51, que me confunde: será a caninha ou um candidato? Juram-me que não existe partido de número 51 nem 24. Mas anunciam uma nova aguardente 21.

Como posso distinguir se designa o porre do político ou “a danada da cachaça”? Apesar dos pesares, anúncios comerciais e políticos são transparentes em suas metas: todos querem nos induzir a aceitar o que oferecem. Mas minha análise de discurso silencia diante desta avaliação de um cidadão desempregado: “É muita potoca nessas propagândias (sic), seu Flávio.”

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