O enigma da datação não é tão complicado assim de resolver. Nem tampouco é difícil localizar no espaço, em uma espécie de geografia do anedotário, onde surgem e permanecem ou não um certo repertório de anedotas. No Brasil, por exemplo, piadas envolvendo portugueses só caberiam a partir do contexto histórico dos finais do Segundo Império e com o aparecimento da República, vindo até os nossos dias atuais, declinando.
Anedota é fundamentalmente um fato da cultura oral, predominantemente urbano e é hiperinformalizada. Não se sabe quem enunciou pela primeira vez uma anedota; não há registros sobre autoria de anedota. Sob este aspecto a anedota é um enigma mais desconhecido do que a origem do universo. Não existe para o anedotário teorias como a do big bang ou do buraco negro.
Sabemos localizar com mais ou menos precisão o tempo e uma geografia dos anedotários. Ainda bem não somos tão ignorantes assim. Mas sabemos muito pouco sobre o anedotário do ponto de vista comparativo. Participando alguns anos atrás de um seminário internacional realizado em Brasília, alguém da plateia encaminhou a seguinte pergunta aos participantes da mesa: “Todas as sociedades possuem anedotários, como nós aqui no Brasil possuímos o nosso? É plausível comparar anedotas, vamos supor, chinesas do século vinte, com anedotas brasileiras do mesmo período? Ou não existe anedotário em alguns outros povos, em algumas outras sociedades?
Tal como a dinâmica linguística, onde os vocábulos, as palavras – as faladas, principalmente – mudam como que misteriosamente, as anedotas resistem a certas investigações. A história e a sociologia da cultura vão ter de se resignar a conviver sem sentimentos de derrota e de humilhação com o eterno enigma, capricho deste fato fascinante que é o do pensamento e o da comunicação dentro das sociedades. Nós não estudamos asteroides nem gatos, nem aves migratórias.
Estudamos gente, pessoas sociais, sistemas culturais e simbólicos. E, no caso das anedotas, estudamos as heranças das falas e dos ouvidos. Fascinante e não é fácil. Freud estudou o chiste; mas ficou restrito à sua teoria mais geral do inconsciente. Não é suficiente nem um pouco para nós da área das ciências sociais. Vamos ter de ficar mesmo na penumbra enigmática das anedotas e dos seus autores.