A árvore de Natal

O catolicismo herdou do império romano não só o latim mas o gosto pela magnificência pública, amando a arquitetura grandiosa, a estatuária e a pintura mural. Os imensos estádios do romanos, como o Coliseu – templo erguido ao divertimento cruel -, foram substituídos por catedrais gigantescas cujas torres ambicionavam alcançar os céus, local de êxtase e de veneração a Deus.

Enquanto o papa assumia as vezes do imperador, as procissões religiosas, tendo o bispo à frente, apagaram para sempre as marchas triunfais dos cônsules e dos generais romanos de outrora. O espaço todo das igrejas, das abadias e dos mosteiros, foi entregue a artistas de gênio para que os preenchessem com santos e santas, como os afrescos de Cimabue e Giotto na Basílica da Assis, ou com passagens bíblicas como a Santa Ceia de Leonardo da Vinci ou a Criação do Mundo que Miguel Ângelo celebrou nos altos da Capela Sixtina.

O catolicismo ganhava os seus conversos pelo catecismo, sim, mas também pela imponência dos seus cortejos e cerimônias litúrgicas, pela exuberância da sua arte pública, por colocar o talento de um Brunelleschi, de Bramante ou de Alberti ao seu serviço, ação que fez da Itália o lugar com a maior concentração de obras-primas que se conhece no mundo todo.

Ao adentrar-se numa nave de uma igreja ou de uma catedral, inundada nos dias de sol pelos reflexos multicoloridos dos vitrais, tendo ao fundo o som harmônico de um soberbo coral de monges, ao sentir-se aquele êxtase, onde o construtor, o pintor e o cantor deram o melhor de si para torná-la um recinto divino, como não acreditar que o próprio Deus não estava ali presente? Como o monge Martim Lutero ousou desafiar aquilo tudo? Pois foi exatamente aquela suntuosidade herdada do império que o teólogo alemão acreditou ser insuportável aos que se diziam seguir Jesus Cristo marceneiro.

Para Lutero, o cristianismo fora uma notável revolução dos cordeiros, da gente humilde da antigüidade que se insurgira contra as injustiças do mundo pagão. Porém, com o passar do tempo, ainda que vitoriosos, eles viram-se usurpados pela casta sacerdotal, sucessora da burocracia imperial em decadência, ocasião em que o pároco substituiu o pretor romano.

Concentrando toda a autoridade no trono papal, os altos eclesiastas, descendentes do antigo patriciado romano, esvaziaram as comunidades cristãs da sua primitiva autonomia, inclusive do direito de escolherem seus próprios pastores, como os cristãos faziam antes, nos primórdios, elegendo bispos Agostinho e Ambrósio. Pior ainda, como ele expôs no Manifesto à Nobreza Alemã, de 24 de julho de 1520, fizeram do papa “Senhor do Mundo”, quando o próprio Jesus Cristo insistira que o seu reino era o Reino do Outro Mundo.

Aquele riqueza artística que se concentrava em Roma, a monumental Igreja de São Pedro que se erguia naquele momento, era, no entender dele, fruto ilegítimo das arrecadações que o papado ordenara extrair da Alemanha em troca de favores a serem alcançados no mundo sobrenatural. Era com o ouro das Indulgências, surripiado dos beatos alemães por negociantes e clérigos espertos, que erguiam-se os templos e mantinha-se o luxo em Roma.

Os cristãos, portanto, com a Reforma por ele liderada, deviam retomar o que era seu, reconquistar o seu império perdido. Para tanto, ele tratou pessoalmente de traduzir a Bíblia para o alemão a fim de que os crentes pudessem saber quais eram os ensinamentos de Deus, bem como novos hinos deviam ser cantados, compostos pelo povo mesmo. Rompido com Roma, deixando o celibato, casou-se e fez do seu lar uma celebração diária a Deus. Cada um deveria seguir caminho igual, compor seus próprios oratórios, tornar o seu recanto uma capela, fazer da sua família um coral, rejubilando-se pela boa vida e pela liberdade alcançada.

Por toda a Alemanha surgiram músicos, organistas ou pianistas, consagrando a vida às partituras e aos instrumentos. É Lutero, pois, quem está por detrás de Bach, de Haendel, de Haydin, de Mozart, e de Beethoven. Seguindo seus próprios conselhos, ele casou-se em junho de 1525 com Katharina von Bora, uma freira que, desertando do convento de Nimbsch, procurara refúgio em Wittemberg. Teve seis filhos com ela.

O lar para Lutero, o privado, passou a ser a verdadeiro templo do cristão reformado. Era ali que davam-se as Tischreden, as conversas ao redor da mesa entre os pais e os filhos que fazia as vezes da comunhão. Faltava-lhe ainda algo que pudesse celebrar de uma maneira mais íntima e festiva o Natal. Certa vez, numa daqueles noites geladas da Alemanha, nas proximidades do Natal, ao retornar para casa Lutero encantou-se com a paisagem. Olhando para o céu através de uns pinheiros que cercavam a trilha, viu-o intensamente estrelado parecendo-lhe um colar de diamantes encimando a copa das árvores. Tomado pela beleza daquilo, decidiu arrancar um galho para levar para casa.

Lá chegando, entusiasmado, colocou o pequeno pinheiro num vaso com terra e, chamando a esposa e os filhos, decorou-o com pequenas velas acesas afincadas nas pontas dos ramos. Arrumou em seguida uns papeluchos coloridos para enfeitá-lo mais um tanto. Pronto, era aquilo que ele vira lá fora. Afastando-se, todos ficaram pasmos ao verem aquela árvore iluminada a quem parecia terem dado vida. Nascia assim a árvore de Natal. Feliz Natal a todos.

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