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Quinta, 25 Abril 2024

Em Roraima, indígenas protestam e exigem corpos de vítimas do coronavírus do povo Wai Wai

Indígenas da etnia Wai Wai impedem a saída de duas ambulâncias na comunidade Xaary, ao Sul de Roraima, em protesto para velar e enterrar dois moradores da região que morreram de coronavírus, em Boa Vista. O protesto começou na manhã desta segunda-feira (6).

Foto: Associação do povo indígena Wai Wai Xaary/Divulgação

As duas vítimas, no entanto, foram enterradas em um cemitério particular na capital. Os mortos são o Sérgio Xexewa Wai Wai, de 80 anos, e Fernando Makari, 58. Sérgio foi sepultado nesta segunda e Fernando no último sábado (4).

As ambulâncias retidas são do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei-Leste). Xaary fica no município de São João da Baliza, distante cerca de 327 Km da capital.

O coordenador do Dsei-Leste, Tarcio Pimentel, afirmou que só foi informado sobre a morte de Fernando Makari.

"Uma legislação específica de Roraima preconiza que o corpo não pode sair do município onde ocorreu a morte", afirmou.

No protesto, o coordenador regional dos tuxaua da região, Valdecir Wai Wai, afirmou que os indígenas querem cumprir um ritual funerário para que as almas possam "descansar em paz".

"Não precisa de aglomeração, não vamos abrir os caixões. Só queremos cumprir o ritual e orar com os familiares. Enquanto não trouxerem os corpos não vamos liberar as ambulâncias", disse Valdecir ao G1.

Em uma carta, a Associação do povo indígena Wai Wai Xaary afirmou ter recebido o aval do Ministério Público Federal para enterrar Xexewa e Fernando na região, mas não foram atendidos pelo Dsei-Leste.

"Não temos sido tratados como seres humanos. As autoridades não têm respeitado nossa lei, nossa cultura, nosso luto por ocasião da morte de um ente querido. Estamos sofrendo com o racismo institucional, por não podermos enterrar e lamentar a morte de nossos parentes de modo digno, de acordo com a nossa cultura".

Infectados pelo coronavírus, Xexewa e Fernando morreram com um dia de diferença. Fernando morreu no sábado, quatro dias após ser internado no Hospital Geral de Roraima. Enquanto Xexewa faleceu neste domingo.

Em resposta ao pedido dos Wai Wai, o procurador Alisson Marugal, emitiu uma recomendação para que o Dsei-Leste providenciasse que o povo da região pudesse enterrar as duas vítimas, respeitando os protocolos para evitar a disseminação do vírus.

"Recomendamos que o DSEI-Leste Roraima envide todos os esforços necessários para garantir o respeito à autonomia e as práticas culturais do povo Waiwai, observando, todavia, os protocolos aplicáveis, com medidas que possam evitar contágio no momento do ritual", cita trecho do ofício.

Na carta, a Associação afirma que dos 140 indígenas vivem na comunidade Xaary, mais de 50 estão com sintomas e oito já testaram positivo para Covid-19. Aponta ainda que uma equipe de saúde chegou na comunidade em 23 de junho, quando 40 indígenas já estavam com febre, falta de paladar e olfato, mas só os positivados por testes rápidos foram medicados.

"A comunidade Anauá, que fica muito próxima da Xaary, também tem casos suspeitos. Ouvimos relatos que alguns parentes têm evitado dizer que estão com sintomas, com medo de serem levados para o hospital na cidade, morrerem e serem enterrados", cita outro trecho da carta.

O luto Wai Wai

No ritual fúnebre, o povo Wai Wai faz orações e a vítima é enterrada próximo ao local onde os filhos e netos continuarão vivendo, segundo Valdecir Wai Wai. Ele afirma que isso ajuda "a alma descanse em paz".

A comunidade Xaary argumentou no pedido ao MPR-RR que na aldeia Mapuera, no Pará, ocorreu o sepultamento de um Wai Wai que morreu de Covid-19.

Poriciwi Wai Wai - pai de Fernando Makari - foi o primeiro de sua etnia a morrer pela doença no Brasil. Na região onde ele vivia, o ritual ocorreu com permissão do Distrito Especial Sanitário Indígena Guamá-Tocantins.

No ofício do MPF-RR ao Dsei-Leste, o ritual do Pará foi citado como exemplo, onde o procurador afirmou que ocorreu "sem registros de intercorrências.

No entanto os responsáveis pelo Dsei-Leste negaram a transferência do corpo à comunidade. Eles alegam que seguem normas de segurança sanitária adotadas em razão da pandemia de coronavírus.

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