Comunidade em Rondônia convive com mais de 30 mil jacarés

Comunidade fica localizada no Baixo Madeira e cerca de 36 mil jacarés coexistem com a população. No local acontece o manejo dos répteis que começa após o mês de agosto.

Imagine viver em uma comunidade onde a presença de milhares de jacarés é comum no dia a dia. Essa é a realidade de quem mora na Reserva Extrativista (RESEX) Lago do Cuniã, situada no Baixo Madeira, em Porto Velho (RO). Na região, aproximadamente 36 mil jacarés coexistem com a população local.

Moradores compartilharam suas experiências sobre como é viver ao lado desses animais e relatam histórias que mudaram a relação com o meio ambiente. Confira:

Comunidade da Reserva Extrativista (RESEX) Lago do Cuniã no Baixo Madeira em Porto Veho (RO). Foto: Acervo/ICMBio NGI Cuniã Jacundá

Aglomeração de jacarés 

Por conta da seca extrema que atinge o Norte do país, centenas de jacarés ficaram aglomerados em um único igarapé. Um vídeo feito por um morador da comunidade, que mostra o momento em que navega no local, viralizou nas redes sociais. Essa cena, embora possa surpreender, é uma visão comum para a população que vive em torno da reserva. 

Jorge Lopes, que nasceu e vive na comunidade há mais de 26 anos, relata que a convivência com esses animais sempre foi algo natural para os moradores.

“Eles estão no espaço deles, nós (moradores) que somos os invasores desse lugar. Por isso temos que respeitá-los”, 

diz.

Jacaré na porta de casa?

De acordo com Jorge, os jacarés ocupam seus habitats naturais, que são os lagos e rios da região, enquanto a comunidade se instalou na parte mais elevada da reserva.

A interação com os jacarés ocorre principalmente quando os moradores precisam usar os rios e os igarapés para trabalhar na pesca ou até durante a navegação.

O único momento que há possibilidade dos animais se aproximarem da área habitada é durante o ‘inverno amazônico’, época de maior incidência de chuvas, quando os lagos transbordam e chegam próximo da parte mais elevada da comunidade, onde as casas estão localizadas.

De acordo com os estudos populacionais realizados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a população de jacarés é estimada em 36 mil animais das espécies jacaré-açu e jacaretinga. Apesar da quantidade de animais, no local não há uma superpopulação dessas espécies.

É parte do comportamento de proteção natural dos jacarés evitar interações com seres humanos. Quando uma lancha ou barco se aproxima, é comum que esses animais se escondam devido ao susto causado pelos ruídos da presença humano, explicou um especialista do Instituto.

Comunidade do Lago do Cuniã convive com dezenas de jacarés na RESEX. Foto: Acervo/ ICMBio NGI Cuniã Jacundá

Saneamento para evitar acidentes

De acordo com os moradores, há quase duas décadas atrás, um acidente resultou na morte de uma criança de seis anos que vivia na RESEX. A partir desse momento, uma série de esforços e iniciativas foram implementados com o objetivo de prevenir futuras tragédias.

A implementação de água encanada contribuiu para evitar situações de risco, já que tomar banho, lavar roupas e coletar água para consumo evitou que houvesse aproximação com o lago.

Segundo Fernando Estevão, diretor da escola Municipal Francisco Braga, a população local tem consciência dos cuidados necessários para conviver com a presença dos répteis. Essas orientações são transmitidas desde a infância até a idade adulta daqueles que residem na região.

“A comunidade não enfrenta perigos, ao contrário do que muitas pessoas pensam. Os moradores sabem como se prevenir e o que evitar. A população e eles (jacarés) vivem em harmonia”, 

explica.

O diretor conta ainda que as crianças, por exemplo, atravessam o lago diariamente para chegar à escola, e nunca aconteceu acidentes. Isso porque há instruções que são realizadas no início de cada ano letivo, incluindo:

Como utilizar coletes de segurança;
Não colocar as mãos na água;
Manter distância da margem do lago;
Evitar perturbar os jacarés, como atirar pedras;
Não alimentar os animais, pois isso pode atraí-los para mais perto.

Carne para além da conta

Para manter o controle da espécie de forma sustentável, o ICMBio liberou, em 2011, a prática do abate de jacarés na Reserva. O projeto é feito com base em uma série de estudos populacionais, de reprodução e ninhos para definir cotas de abate.

Frigorífico da RESEX Lago do Cuniã é único no Brasil em Unidade de Conservação Federal. Foto: Acervo/ICMBio NGI Cuniã Jacundá

De acordo com os moradores, é uma iniciativa importante para manter o equilíbrio da cadeia alimentar e ajuda na renda e na segurança da comunidade, principalmente dos pescadores.

Os manejadores recebem treinamento, principalmente em relação à captura, o que lhes permite adquirir um maior conhecimento sobre a espécie e desenvolver cuidados na interação com os animais.

A cota anual para o abate começa após o mês de agosto e se aplica apenas aos machos, sendo de no máximo 70% para a espécie Jacaré-açu e 30% para Jacaré tinga. A carne é vendida em seis tipos de cortes.

Cerca de 36 mil jacarés coexistem com a população na RESEX Lago Cuniã. Foto: Acervo/ICMBio NGI Cuniã Jacundá

Jorge Lopes, proprietário de um restaurante especializado no preparo de carne de jacaré na comunidade, oferece opções em tiras e cozida no tucupi. Devido a grande quantidade de carne, as especiarias estão disponíveis durante todo o ano, pois o morador conseguem estocar após o período de manejo.

Em 2023 não ocorreu o abate dessa espécie devido a problemas internos na Cooperativa de Pescadores, Aquicultores, Agricultores e Extrativistas da Reserva Extrativista do Lago do Cuniã (COOPCUNIÃ), que é responsável pela execução e regularização do funcionamento do frigorífico, único no Brasil em Unidade de Conservação Federal.

Entretanto, a ausência do abate desses animais não resulta em uma superpopulação, pois a espécie se mantém estável, com ou sem o projeto de manejo. E apesar de não haver captura e abate, a parte da pesquisa ocorre todos os anos para o monitoramento das espécies, esclarece o ICMbio.

Onde fica a RESEX?

A Reserva Extrativista do Lago do Cuniã, criada em 1999, está localizada no município de Porto Velho e fica a cerca de 130 km da área urbana da cidade.

É uma unidade de conservação do governo federal de uso sustentável e constituída por famílias que dependem da pesca, agricultura, extrativismo dos produtos da floresta e manejo do jacaré.

De acordo com o censo feito pelo ICMbio, na RESEX há o lago principal nomeado como Cuniã e em volta são cerca de 63 lagos com nome e localização.

Para chegar ao lago, é preciso descer o rio Madeira, no sentido do Amazonas. A certa altura, dobra-se a esquerda no igarapé Cuniã que dá acesso ao Cuniã.

Reserva Extrativista (RESEX) Lago do Cuniã, em Porto Velho (RO). Foto: Acervo/ICMBio NGI Cuniã Jacundá

*Por Emily Costa, do g1 Rondônia
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