A cultura como geradora de mudanças físicas, emocionais, pessoais e sociais

Em abril deste ano, a Fundação Rede Amazônica lançou o selo ‘Cultura Transforma’ como uma atividade preparatória da segunda edição do projeto Cidade do Jazz.

Em abril deste ano, a Fundação Rede Amazônica lançou o selo ‘Cultura Transforma’ como uma atividade preparatória da segunda edição do projeto Cidade do Jazz. A campanha está sendo veiculada na programação do Grupo Rede Amazônica, desde então, através de VTs e spots de rádio, tendo como mensagem central enaltecer a Cultura e seu poder transformador. O objetivo dessa ação é captar a atenção da população a fim de estimular seu interesse a diferentes tipos de expressão artística e/ou cultural.

Para Marcya Lira, diretora executiva da Fundação Rede Amazônica, a campanha tem um importante papel educacional para a população. A dirigente explica que o selo busca desconstruir os antigos conceitos sobre cultura, de forma que as pessoas se sintam cada vez mais motivadas a buscar acesso a essas formas de expressão.

“A campanha educativa nada mais é do que utilizar o poder que nós temos de comunicar com grandes audiências, para levar informação sobre um gênero muitas vezes elitizado. Com isso, a campanha busca levar um entendimento diferente para a população que não tem contato profundo com a música e outros tipos de arte”, defende.

A partir desse primeiro contato, a cultura transforma a pessoa de uma forma integrada, promovendo melhorias – físicas, químicas, psicológicas – e gerando a possibilidade de mudanças, que podem acontecer em várias configurações, desde a criança que busca de maneiras diferentes de se expressar e descobre amor por algum tipo de expressão, até um profissional que passa por uma grande mudança em sua carreira.

O músico José Jonas Jr. é um desses exemplos, e faz questão de destacar o impacto da cultura em sua trajetória. “Para mim, música é vida. A partir do momento que tive contato com a música, por volta dos dez anos, minha percepção de mundo foi transformada. Desde então, quis seguir esse fazer artístico e sou realizado por poder atuar com o que amo”, explica o violinista, que já acumula quase 20 anos de profissão dedicados à arte.

Jonas destaca a importância do apoio familiar desde o início de sua descoberta na música. Isso lhe permitiu começar os estudos no Liceu Cláudio Santoro, em Manaus, e o guiou até conseguir ingressar na Ufam, no curso de Licenciatura em Música, seguido de um mestrado e uma especialização em violino realizada na Escola Superior Castelo Branco, em Portugal. “Sempre tive total apoio da minha família”, enfatiza.

O músico defende a importância do contato de crianças com a arte desde os primeiros anos da infância. “A partir do momento que a criança tem seu primeiro contato com a arte, ela se abre a inúmeras possibilidades de expressão, trabalho, renda e estudos. E isso pode mudar uma vida”, explica, reforçando a necessidade de mais investimentos na área, principalmente no suporte ao sistema de ensino regular. “Temos algumas ferramentas, como o Liceu de Artes Cláudio Santoro, que abre opções para o ingresso nas artes como um todo, mas carecemos de suporte nas escolas públicas”, afirma.

Jonas Júnior (Foto: Arquivo Pessoal)

 Ainda que por influência familiar, quem também teve contato desde cedo com a música foi a cantora Jaque Santtos. A carioca foi uma das participantes da primeira edição do projeto Cidade do Jazz e hoje investe em sua carreira autoral, acumulando várias músicas já lançadas em plataformas de streaming. A música esteve presente na vida de Jaque desde cedo. “Minha família sempre foi envolvida com música; meus pais tinham banda, então eu nasci nesse meio e, desde cedo, já comecei a cantar em eventos, restaurantes, bares”, lembra.

Ainda assim, a artista recorda que era difícil se enxergar seguindo uma carreira autoral. Isso a levou a buscar formação em outras áreas e, paralelamente à sua carreira profissional, a música, de rotineira, se tornou ocasional. “A música sempre estava ali, indo e vindo; às vezes eu parava de cantar por um tempo, depois acabava voltando, mas a música sempre me fazia sentir muito bem, e comecei a querer cada vez mais fazer isso”, explica.

A decisão de investir na própria carreira veio no final de 2019; período em que a primeira edição do Cidade do Jazz estava em plena pré-produção. Os dois caminhos acabaram se cruzando, e a cantora foi convidada a integrar a equipe do projeto, o que rendeu, além de uma nova versão do clássico Every Breath You Take (da banda The Police), um circuito com várias apresentações em cima de um palco itinerante pelos bairros de Manaus. Paralelo a isso, Jaque começou a produção de suas próprias músicas, que começaram a ser lançadas em 2021.

“Esse momento que eu tô vivendo, com as minhas músicas, é aquilo que, lá no fundo, eu sempre quis. Estou muito feliz de estar vivendo isso”, comemora a cantora. “Participar do projeto, principalmente naquele momento de transformação, foi uma das coisas que me deu impulso e suporte, inclusive financeiro, para eu poder fazer acontecer minhas primeiras músicas. Foi uma experiência incrível, que eu vou lembrar pra sempre. Levar a música pras pessoas, principalmente naquele momento [com o isolamento imposto em função da pandemia], foi uma sensação incrível”, diz a cantora.

Jaque Santtos (Foto: Arquivo Pessoal)

Os exemplos de Jonas e Jaque, como muitos outros, mostram a importância do acesso de crianças e jovens a estruturas que permitam e os estimulem a interagir e se relacionar com diversas categorias de arte. Nesse sentido, a campanha coloca a Cultura como um sonho possível para transformar a vida de quem se sente chamado a expressá-la.

A cultura transforma também a economia local, pois todo esse poder transformador a partir da interação com a arte estimula também outros setores profissionais, com diversas áreas envolvidas na promoção e realização de eventos artístico-culturais. Isso gera, por consequência, mais empregos, aumenta a circulação de moeda em uma comunidade e estimula o crescimento econômico local. A representação de expressões culturais é extremamente relevante para a geração de renda, e pode ser importante receita para, desde comunidades indígenas e/ou ribeirinhas que performam versões artísticas de seus ritos e tradições, até gerar impactos relevantes na economia de um Estado, como é o caso de grandes festivais, como o Festival Folclórico de Parintins e a Festa do Guaraná, no Amazonas, e o Çairé, em Alter do Chão (PA).

Entender o conceito de ‘economia da cultura’ é importante para entender melhor esse impacto, pois considera um mercado que tem como base produtiva a produção e circulação de bens e serviços pautada na propriedade intelectual. A partir disso, os artistas, em si, são apenas um dos estimuladores dessa economia, que envolve também produtores culturais, jornalistas, técnicos/engenheiros de som, maquiadores; uma imensa gama de apoio à produção artística e difusão cultural.

No interior do Amazonas, o setor turístico – que tem grande impacto nas economias municipais – recebe grande suporte das expressões culturais presentes, como festas religiosas, manifestações tradicionais e outros tipos de arte. Com isso, manter vivas essas tradições e essa integração das expressões culturais com as novas gerações é de fundamental importância não apenas na preservação cultural, mas também como forma de promover a geração de emprego e renda para comunidades inteiras que dependem dessas atividades.
Mas, para seguirmos na missão de mostrar as transformações possíveis pela Cultura, é importante entender também as mudanças mais pessoais proporcionadas por ela.

Benefícios para a saúde mental

Um site de compras americano realizou, em 2021, uma pesquisa com seus usuários e analisou o comportamento deles de acordo com o tipo de música preferido, de um total de 27 gêneros musicais. A análise identificou que ouvintes de Jazz são os mais ‘positivos’ na internet, com uma média de 77 palavras positivas a cada 100 escritas. O estilo é imediatamente seguido pelos ouvintes de Metal (62%), Ópera (56%) e Folk, com um índice de 55 palavras positivas.

Ainda que se trate de uma pesquisa sem método ou comprovação científica, é possível afirmar que o envolvimento com a música, em si, já é um fator que contribui para o bem estar emocional das pessoas. Para a psicóloga Patrícia dos Santos, a arte tem a característica de se conectar de forma mais profunda com as emoções, se colocando como uma grande forma de expressão não verbal e se colocando como uma ponte entre a forma como nos sentimos e a forma como nos expressamos para o mundo.

“Entrar em contato com as nossas emoções, conhecê-las e expressá-las de forma saudável é super importante para diminuir níveis de estresse e ansiedade. Além disso, ela melhora nossa atenção, desenvolve a criatividade e estimula regiões do cérebro diferentes de quando o aprendizado é feito de forma tradicional. Quando as atividades são realizadas em grupo, também trabalha a sociabilidade e a forma como interagimos com outras pessoas, além de ser uma atividade prazerosa, que libera hormônios relacionados a sentimentos de felicidade”, explica.

Dançaterapia (Foto: Freepik)

A terapeuta e sexóloga Leilaine Saburi, que trabalha há mais de 10 anos com dançaterapia, defende que, por meio dessas metodologias, a pessoa passa a se conhecer melhor, a entrar em contato com partes profundas de si e a explorar novas formas de ser e de sentir. Além disso, esse tipo de atividade “melhora a qualidade de vida e a função neuromuscular de indivíduos com transtornos neuromotores”, destaca.

“Já tivemos casos de alunos com limitações posturais que não desenvolveram apenas através da fisioterapia, pois existiam influências desconhecidas. Por meio da dança, foi possível identificar fatores mais relacionados a autoestima e aceitação do corpo e, a partir disso, realizar os tratamentos adequados”, explica a profissional, complementando que, ao associar a arte e terapia é possível gerar um conjunto de transformações emocionais, fisiológicas e químicas que ajudam na melhoria da saúde e do bem-estar de quem pratica.

O impacto da dança também foi tema de uma pesquisa realizada pelo educador físico Mateus Bechi de Melo, da Universidade do Sul de Santa Catarina, que avaliou, em seu trabalho de conclusão de curso, como a dança impacta de forma positiva no estado emocional de seus praticantes, conferindo sensações de alegria, poder, liberdade e superação de limites.

Segundo o pesquisador, os sujeitos de sua pesquisa apresentaram bom estado de humor no momento da avaliação realizada – com a atividade de dança de Jazz–, pois seus sentimentos foram compostos por um alto vigor associado a níveis baixos de depressão. “Os achados mostraram a relação das variáveis moderadoras entre exercício e benefícios psicológicos que podem ser adquiridos através da prática”, conclui a pesquisa.

Mudanças na sociedade

Também conhecidas por seu grande impacto e alcance na vida das pessoas, as expressões culturais estão intimamente ligadas a movimentos e mudanças políticas e históricas no país. Exemplo disso são os movimentos artístico-culturais que se tornaram ícones de transformações, como o Tropicalismo e o Modernismo. Surgido na década de 1960, quando o Brasil ainda vivia sob ditadura militar, o Tropicalismo teve como ícones grandes nomes da música nacional, como Caetano Veloso e Gilberto Gil. O movimento tinha como cerne romper e desafiar as estruturas existentes no cenário musical brasileiro e foi tão impactante que durou menos de um ano, abafado com a prisão de seus dois principais representantes.

O Modernismo, movimento artístico brasileiro que completou 100 anos em 2022, também é um exemplo de como as artes podem gerar impactos não apenas na vida de quem consome e produz cultura, mas da sociedade como um todo. Isso é quase um padrão, os movimentos artísticos, de forma geral, surgem a partir da necessidade de expressar formas e mensagens que não estavam se sentindo representadas no contexto daquele momento.

O pesquisador André Botelho, professor associado do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ, defende que movimentos culturais são iniciativas articuladas, ainda que descentralizadas para alteração e controle de recursos culturais na sociedade e continuam gerando impacto mesmo após anos de sua realização. “Esses recursos ficam disponíveis para a criatividade cultural das gerações seguintes, que também vão tentar redefinir seus usos e sentidos para as questões próprias que enfrentam”, explica.

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