Mulheres ganham espaço e se tornam lideranças entre os Kayapó e outros povos

Desde os anos 2000, e particularmente na última década, já não é difícil encontrar mulheres como cacicas, pajés ou como lideranças em suas comunidades.

Foto: Anderson Linhares

Historicamente, as funções de cacique e pajé, importantes nas comunidades indígenas, são exercidas quase sempre por homens. Cabe a eles liderar, orientar e proteger seus conterrâneos, garantindo seu bem-estar e respeito às suas terras e tradições. No entanto, desde os anos 2000, e particularmente na última década, uma mudança vem acontecendo e já não é difícil encontrar mulheres como cacicas, pajés ou como lideranças em suas comunidades. Dentre essas desbravadoras, há três Kayapó de uma mesma família: as irmãs O-é e Maial Paiakan, e Tuíre Kayapó, tia delas.

O-é sucedeu em 2020 o seu pai Paulinho Paiakan, vítima da Covid-19, como cacica da aldeia Krenhyedjá (PA), função transmitida dos pais para os filhos homens na tradição Kayapó. Por ser mulher, O-é não passou pelo processo de preparação dos caciques dedicado aos homens, que dura anos. Apesar disso, não surpreende que ela tenha alcançado o papel de liderança. Ele foi vislumbrado desde a infância de O-é, quando seu pai, em decisão ousada para a época, levou as filhas para estudar na cidade – ainda não havia escola na aldeia.

“Por ser mulher, eu não tive essa preparação tradicional, mas tive uma preparação mais prática, trabalhando, participando de reuniões e, claro, pelo meu pai ter aberto esse caminho”,

explica ela.

Este comprometimento, a hereditariedade, a boa capacidade de se expressar, a relação harmoniosa com todos e o conhecimento formal adquirido foram fundamentais para que, após a morte do pai, lideranças da aldeia e da etnia decidissem por O-é como cacica. “Demorou um tempo para eu aceitar, pois ainda estava abalada, mas decidi assumir. Mesmo em luto, esse desafio é uma forma de honrar a batalha do meu pai ao criar filhas mulheres e, claro, em defesa do nosso povo”, conta ela.

Assim como O-é, sua irmã Maial, mais nova, também estudou na cidade e se tornou a primeira Kayapó (entre homens e mulheres) a se formar em uma faculdade. Embora não ocupe uma posição “formal” como a de cacica, a bacharel em Direito vem representando o seu povo por anos na defesa de seus interesses. Atuou como assessora parlamentar da deputada Joênia Wapixana no Congresso Nacional e, atualmente, é parceira do TFA no processo de tradução para a língua Kayapó de importantes marcos legais sobre os direitos dos indígenas. “Assim, poderemos falar em nossa língua materna nas reuniões. Será um novo instrumento para que jovens e mulheres atuem tanto no âmbito regional quanto no nacional”, explica.
Paulinho não é a única referência de O-é e Maial. Quando crianças, ambas viram o nome de sua tia, Tuíre Kayapó, ganhar notoriedade internacional após um gesto ousado. Durante o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, realizado em Altamira (PA) no ano de 1989, em protesto contra a construção do Complexo Hidrelétrico do Xingu, Tuíre, em uma atitude de resistência, confrontou o então presidente de uma grande empresa de energia de forma incisiva. Um ato corajoso que fez com que a indígena, aos 19 anos, ganhasse a admiração de sua comunidade e se tornasse, portanto, um símbolo para as meninas Kayapó. Hoje, 33 anos depois, Tuíre segue atuando em favor das pautas indígenas e orientando outras mulheres dentro das aldeias.
A chegada de mulheres a posições de destaque também vem ocorrendo em outras etnias. Hushahu Yawanawá tornou-se no início dos anos 2000 a primeira mulher do seu povo a se tornar pajé, ou seja, uma líder espiritual. Por meio de seu conhecimento, ela busca contribuir para o empoderamento de outras indígenas. Desde 2011, Anayliô Tuxá exerce a mesma função em sua aldeia. Juma Xipaya foi a primeira cacica da aldeia Kaarimã. Assumiu aos 24 anos, em 2005. Já a deputada federal Joênia Wapixana, eleita em 2018, e Sônia Guajajara, candidata à vice-presidência da República no mesmo ano, são, hoje, representantes dos povos originários na política nacional e, claro, também lideranças de seus povos.

“O posicionamento de cada mulher que surge, seja ela cacica, guerreira, tradutora ou educadora sempre vai inspirar outras mulheres. Quando eu assumi o cacicado, muitos pais fizeram questão de levar as suas filhas para presenciar esse momento”, 

conta O-é, prevendo o surgimento de outras lideranças femininas no futuro.

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