Ayahuasca, o ”ouro” prometido na Amazônia

De acordo com um estudo, as primeiras citações sobre a ayahuasca datam do final do Século XVII, na obra de dois jesuítas que registram informações sobre a bebida como parte da medicina empregada pelos indígenas de Mainas na Amazônia Peruana.

A ayahuasca já é considerada um fenômeno. A citação é feita no recente estudo sobre a literatura antropológica e a reconstituição histórica do uso da ayahuasca no Brasil, de Henrique Fernandes Antunes, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

O documento mapeia no debate acadêmico os elementos centrais a partir dos quais essa história é contada. A pesquisa englobou um conjunto de 39 dissertações e teses, além de livros, coletâneas e artigos publicados em periódicos, os quais versam principalmente sobre o Daime, a Barquinha e a União do Vegetal.

Psychotria viridis.Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

De acordo com o estudo, as primeiras citações sobre a ayahuasca datam do final do Século XVII, na obra de dois jesuítas: Chante e Magnin. Chante faz alusão a um “brebaje diabólico”, enquanto Magnin aponta a bebida como parte da medicina empregada pelos indígenas de Mainas na Amazônia Peruana.

Ao analisar todos os registros históricos, não restam dúvidas, a antropologia tem sido uma grande fonte no sentido de documentar o uso da ayahuasca pelas tribos indígenas da Amazônia. Através desses trabalhos foi possível dimensionar o uso dessa bebida por mais de 4.000 anos. 

A partir da década de 80 os novos estudos apresentam a migração do culto pelos indígenas para os centros urbanos. Abordagens na etnobotânica, nas investigações sobre os diferentes usos da bebida, o tema da cura e dos processos terapêuticos, além das primeiras revisões bibliográficas contemplando não só a produção acadêmica, mas trabalhos de missionários e viajantes.

A dissertação de Clodomir Monteiro é citada como primeira pesquisa desenvolvida no Brasil sobre o fenômeno, em 1983. Monteiro argumenta que os “Sistemas de Juramidam” fazem parte da história e estrutura ecológico-cultural da Amazônia, apresentando a permanência de traços ligados às populações rústicas e indígenas, enriquecidos com elementos da recente cultura urbana. 

Cipó usado na produção da ayahuasca. Foto: Reprodução/Fapesp

A antropologia aponta as transformações na vida amazônica, relacionadas principalmente à formação dos seringais, o fim do ciclo da borracha e do contato entre caboclos e indígenas como fator determinante para a transmissão e disseminação do uso da ayahuasca entre os não indígenas.

A partir de Clodomir Monteiro vários estudiosos falam de matrizes das religiões ayahuasqueiras, referências a tradição indígena, principalmente o xamanismo amazônico; o cristianismo, representado pelo catolicismo popular; o espiritismo kardecista; elementos afro-brasileiros; e elementos do esoterismo europeu. Ocorre uma busca constante pelos conceitos dos trabalhos desenvolvidos pelo Mestre Irineu (a Doutrina do Daime), Mestre Daniel Pereira de Matos (a Barquinha) e o Mestre Gabriel (UDV).

Ainda de acordo o estudo de Henrique Fernandes Antunes, o mapeamento apresenta teses em que o uso da ayahuasca é por vezes totalmente desconhecido, ocupa lugar periférico em relação as práticas associadas ao xamanismo amazônico, bem como, área uniforme do uso do chá sagrado correspondente ao sul da floresta amazônica colombiana, habitada por grupos Tukano, se estendendo ao longo de Putumayo e do rio Amazonas, por toda Ucayali, no Peru. Na pesquisa de Luís Eduardo Luna (2005), ele apresenta uma lista de setenta e duas tribos indígenas no Amazonas que utilizam a ayahuasca.

Passados mais de 400 anos a partir da primeira citação sobre o chá sagrado na Amazônia, compreender a construção da categoria religiões ayahuasqueiras brasileiras ainda é um desafio no debate acadêmico. O tema não é tratado de forma consensual. Certamente vão precisar de alguns estudos para tentar explicar por exemplo, a existência de sincretismo na União do Vegetal, associando o fenômeno à religiosidade cabocla. Outras pesquisas aprofundarão a relação de Xamanismo, Doutrina do Daime e catolicismo. 

Preparação do Chá de Ayahuasca. Foto: Reprodução/Shutterstock

Como diz Mestre Irineu: “aqui tem muita ciência que é preciso se estudar”.

A Doutrina do Daime é uma recodificação da tradição indígena, agrega o cristianismo, o espiritismo, religiões afro-brasileiras e o esoterismo. Talvez por isso, a antropologia considere o Daime, um papel importante dentro do fenômeno mais amplo da nova consciência religiosa. A busca pelo que é sã, pela vida saudável. Um segredo contido no meio da floresta, do qual, o Mestre Irineu é um professor.

Outro aspecto importante que merece destaque é a capacidade de vocação espiritual para a transmissão do saber codificado pela natureza, a floresta sendo o centro da educação. O Daime é uma Doutrina de pilares sustentáveis. Essa força que se conecta com o sol, a lua, as estrelas, a terra, o vento e o mar, é uma autêntica proposta de preservação do meio ambiente.

Neste momento em que o mundo debate os efeitos danosos das mudanças climáticas e a qualidade de vida, principalmente das futuras gerações, os trabalhos ensinados pelo Mestre Irineu, seja na manipulação do cipó, da folha, da água, nos cânticos dos hinos, em quaisquer circunstâncias, abrem um diálogo doutrinário com a ecologia. No campo espiritual o Daime ensina seus seguidores a viverem de forma harmônica com o planeta. Essa missão é sagrada, atribui a cada seguidor a responsabilidade de cuidar da mãe terra.

Todo esse arcabouço está presente na obra “Vovó Irineu” (prevista para ser lançada em julho deste ano). A linguagem não acadêmica evidencia experiências vividas pelos seguidores mais antigos, caboclos, seringueiros, agricultores que ajudaram a instituir a Doutrina do Daime. Baseado em uma pesquisa de história oral, a obra traz vivências de quem galgou as mãos do Mestre Irineu, apresenta praticas ritualistas que ajudam a identificar as características herdadas e aprendidas a partir dos ensinamentos do velho Juramidam, reveladas pelo poder da floresta.

Se levarmos em consideração que desde os jesuítas Chante e Magnin, o objeto de estudo foi o cipó jagub (banisteriopsis caapi) e a folha Chacrona (Psychotria viridis), substâncias que atuam sobre o nível de serotonina no cérebro (Mercante, 2006b), encontradas nas matas amazônicas e que, o Acre possui mais de 80% do seu território de floresta nativa, podemos afirmar que esse é o ouro da Amazonia Legal.

“O ouro que tem na terra é a luz que brilha mais”, confirma o Mestre Irineu em seu hinário o Cruzeiro. 

*Artigo escrito por Jairo Carioca para a Agência Acre. Veja o artigo completo AQUI*

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