O que leva uma pessoa, em sã consciência, a largar tudo, trabalho, amigos, família, e ir morar na rua? Estas pessoas estão entre os piores desvalidos da face da Terra, pois além de não ter sequer um teto para se proteger, ainda precisam mendigar alimento.
Foi pensando na situação de penúria dessas pessoas, que alguns amigos se reuniram no início de janeiro do ano passado e resolveram, ao menos uma vez por semana, dar alimentos e um pouco de atenção para os moradores de rua do centro de Manaus.
“Criamos o movimento ‘Mais amor, por favor’, idealizado pelo engenheiro de produção Carlos Melchiezedek, e desde então, toda sexta-feira, às 19h, vamos com o panelão de sopa a dois lugares, na rua Guilherme Moreira, em frente ao Banco do Brasil e em frente ao mercado Adolpho Lisboa”, falou o industriário Mayko Andrade, um dos voluntários que ajuda na distribuição da sopa.
A base dos ‘anjos da sopa’ é um antigo casarão, localizado na avenida Joaquim Nabuco. Lá o alimento é feito, acondicionado e levado para os dois pontos de distribuição. Quem está à frente da preparação do sopão é o artista plástico Noleto. Além de pintar belíssimos quadros, Noleto também é mestre na culinária. Suas hábeis mãos com o pincel e a espátula, também são hábeis nos temperos.
“O Carlos pediu pra usar o casarão como base, e que eu o ajudasse na organização do movimento. Como eu sempre gostei de ajudar os outros, cedi”, falou o artista. Noleto teve uma infância muito pobre no interior de Goiás, por isso sabe bem sobre a situação dessas pessoas a quem dá alimento. Em Manaus há quase 50 anos, Noleto aprofundou o prazer que sentia em preparar comidas desde a infância. “Gosto de fazer feijoada, macarronada e arroz”, lembrou.
Surgindo de vários lugares
Atualmente 80 voluntários integram o movimento ‘Mais amor, por favor’. “Tem os patrocinadores e os atuantes. Os patrocinadores são aqueles que dão todo o material necessário para fazer o sopão. São empresários e pessoas muito ocupadas, mas que sempre atendem aos nossos pedidos. Os atuantes são aqueles que vêm pra cá, colocar a mão na massa”, explicou Mayko.
Noleto começa a preparar o sopão por volta das 11h, ajudado por dois ou três voluntários. Às 18h, outros voluntários com carro, chegam para levar os panelões.
Já nos pontos de distribuição, tudo é servido sobre uma mesa com cadeiras e os moradores de rua começam a chegar. Todos são servidos em pratos com talheres descartáveis.
“Tem dias que chegam a participar 30 voluntários, e o pessoal sai daqui de casa andando e vão cantando pela rua até o local onde a sopa será servida. Apesar de a gente falar do sopão, toda sexta-feira o cardápio muda. Servimos macarronada, canja, pizza, mingau de milho, de arroz, bolo…”, listou.
“Quando o movimento começou, há quase dois anos, uns 40 moradores de rua apareciam, surgindo da escuridão da noite. Hoje esse número praticamente dobrou. Uns vão falando pros outros e eles começam a vir”, explicou a escritora parintinense Célia Miranda, uma das voluntárias mais atuantes. “E têm uns mais ‘folgados’, que reclamam
São Benedito e São Francisco
E este ano, como aconteceu no Natal do ano passado, os moradores de rua irão degustar bem mais que um prato de sopa.
“Vamos fazer a ceia de Natal, com tudo que uma ceia tem direito: peru, farofa, rabanada, vatapá, arroz, maionese, bolo, frutas da época, refrigerante e água”, contou Noleto. Além dos acepipes, que começarão a ser preparados no domingo por Noleto e sua equipe (a ceia acontecerá na segunda-feira (26) a partir das 19h), os moradores também ganharão roupas, calçados e kits de higiene.
Enquanto estiverem ceiando, os moradores poderão se divertir assistindo a uma encenação teatral e depois a um show musical.
“Entre os voluntários temos vários profissionais liberais como a cabeleireira Vilma, a microempresária Raimunda Martins, o contador Júlio César, entre vários outros, e muitos artistas, por isso resolvemos colocar essas participações artísticas”, acrescentou.
Outra novidade iniciada este ano pelos ‘anjos da sopa’ foi o atendimento médico e odontológico oferecido aos moradores. Além de atenderem cachorros e gatos abandonados. Já estão criando três cadelas e um gato. Agora, além de São Benedito, os “anjos da sopa” também agradam a São Francisco de Assis.