A maior crise penitenciária do estado do Amazonas também afetou a segurança pública. Mesmo com uma pasta exclusivamente dedicada à administração penitenciária, o secretário de Segurança Pública, Sérgio Fontes, está tendo muito trabalho. Precisou deslocar homens do policiamento de rua para reforçar a segurança na entrada dos presídios nos dias que se seguiram à morte de 56 presos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj).
Além de tirar policiais da rua, precisa responder sobre suspeitas de agressões de policiais militares a detentos nas cadeias do estado durante revistas às celas. “Isso é uma mentira! É mentira que presos estejam apanhando sob a égide do estado”, disse Fontes durante entrevista a jornalistas em seu gabinete ontem (13).
Após duas horas e meia de espera na recepção da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, localizada no subsolo de um shopping de Manaus, Fontes recebeu os repórteres em sua sala. O chefe da Segurança Pública do estado é um homem de estatura baixa e fala firme. É simpático, mas sorri pouco. E logo de saída, avisa: não responde pela administração penitenciária. “Por favor”, pede o secretário, mostrando já ter sido obrigado a responder pela outra pasta uma série de vezes.
Ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Fontes está no comando da secretaria há dois anos e precisa administrar uma polícia que se divide entre buscar os foragidos da rebelião no Compaj, no início de janeiro – quase 200 presos ainda estão soltos –, reforçar a segurança nos presídios e fazer o patrulhamento nas ruas. O secretário diz entender o aumento da sensação de insegurança na população, mas afirma que a criminalidade não aumentou após as fugas do Compaj.
Agência Brasil – Muitos cidadãos estão se sentindo inseguros, em Manaus, após as mortes, fugas e divulgação dos assassinatos no Compaj, nas redes sociais. O que senhor tem a dizer para essas pessoas?
Sérgio Fontes – A criminalidade não aumentou absolutamente nada com os massacres que ocorreram no presídio. Agora, eu entendo perfeitamente um cidadão que olha para um vídeo desse, e o que eles fizeram foi justamente isso. A intenção das facções é aterrorizar a população. Alguém que vê um vídeo desse não vai se sentir confortável e nem seguro, não tem como. Mas a informação que eu dou, é que os números continuam os mesmos. Ainda tem mais de 100 foragidos daquele tipo que cometeu aquilo. Então, é natural que se tenha medo, mas que exista motivo por conta de alguma casuística, não tem. Não teve arrastão em Manaus, apesar de todas as divulgações. Aconteceu o que acontece sempre em uma cidade de 2,1 milhões de habitantes.
AB – Como está o trabalho de busca aos detentos?
SF – Perdemos alguma força tomando conta dos presídios, e isso tomou muito do nosso efetivo policial. Agora, com a chegada da Força Nacional, a vinda de cerca de 150 a 200 policiais que estavam em atribuições em outros órgãos, o cancelamento das atividades administrativas por 15 dias, que vai me dar uns 500 policiais a mais, e a liberação da Força Tática, que é uma força extremamente qualificada para a rua, temos a expectativa de que nós consigamos aumentar consideravelmente o número de recapturados.
AB – Durante a semana, vazou para a imprensa um relatório da inteligência do estado que revelava um plano para uma série de atentados contra autoridades, o senhor inclusive. O senhor confirma a existência desse relatório e o plano dessas facções criminosas?
SF – O relatório de inteligência é sigiloso. O vazamento dele é indevido. Então, não me manifesto sobre relatório de inteligência cujo vazamento foi indevido. Esse relatório, vazado, atrapalhou investigações e colocou pessoas em risco. Então, não falo sobre ele.
AB – As famílias de presos denunciam que eles estão apanhando da polícia lá dentro. O que o senhor tem a dizer?
SF – Isso é uma mentira! Infelizmente, temos que conviver com isso todo dia. Não sou da administração penitenciária, mas convivo com isso todo dia. Para você ter uma ideia, companheiro, o pessoal não está nem entrando no local porque está com medo de uma nova ação de resgate. Então, é mentira que presos estejam apanhando sob a égide do estado. Se, para proteger terceiros, o estado tiver que usar a força de maneira progressiva e chegar na força letal, sob meu comando ele vai fazer isso, mas dentro da lei. Não tem porque ficar agora torturando essas pessoas, que devem estar torturadas demais. Porque alguém que chega nesse nível de barbárie não é normal.
AB – Então, por que os presos reclamam de estar apanhando?
SF – Porque eles queriam tudo normal. Eles estão há um fim de semana sem receber visita. O secretário [de Administração Penitenciária] autorizou a entrada de produtos não perecíveis. Então, já está entrando comida. Ouvi dizerem: ‘Ah! O frango está estragando’. Não vai entrar frango. Porque, para entrar frango, tem que ter fogo, gás. E isso não vai ter. Mas biscoito, caixa de goiabada, isso já está entrando. A gente tem que fazer essa distensão com responsabilidade. Não é razoável você ter um massacre com 56 mortos e no fim de semana seguinte abrir para visita, tudo funcionando como se nada tivesse acontecido. Mas torturar, bater? Isso não!. A polícia só está entrando para fazer revista. Quando a polícia entra para fazer revista, os direitos humanos e a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] estão juntos, até porque fazemos questão que eles estejam.
AB – Como estão as investigações da chacina dos dias 1º e 2 de janeiro?
SF – Nós montamos uma força tarefa de quatro delegados e sete escrivães para cuidar especificamente dos inquéritos policiais. A prioridade número um era estabelecer uma primeira relação de liderança para poder fazer a remoção para presídio federal. Essa primeira fase já foi superada, ressalvando que ainda é possível outras remoções. Mas, já fizemos 17 remoções para presídio federal. Isso é o primordial para estabilizar o sistema, no nosso entendimento. Era preciso dizer aos demais presos que uma atitude dessa não passa em branco. Independentemente de um julgamento, era preciso tomar uma atitude mais prática no sentido de estabilizar. O inquérito vai em três vertentes. Quem deu a ordem, quem executou a ordem e quem foi o responsável pelas mortes. Esses inquéritos serão extensos, grandes, e estão em andamento. A primeira fase concluiu bem rápido.
AB – Como as armas entraram no presídio?
SF – As possibilidades são as mais variadas. Uma que eu acho bem viável, é a corrupção de agentes públicos; agentes da empresa Umanizzare [empresa terceirizada contratada para administrar o presídio], da própria Secretaria [de Administração Prisional] ou das próprias visitas. As visitas aumentaram muito nesse período. As novas legislações não permitem mais a revista pessoal vexatória, então muita coisa passa. Mas só o inquérito vai dizer isso.