O governo federal deveria ter maior atenção e presença nas zonas de tríplice fronteira para dar mais efetividade no enfrentamento a problemas como o tráfico de armas e drogas. A avaliação é do prefeito de Tabatinga, Saul Bemerguy (PSD), cidade localizada na fronteira com o Peru e a Colômbia, que é palco, até o dia 13, de um exercício internacional de simulação de ajuda humanitária na Região Amazônica, o AmazonLog17, que teve início ontem com o atendimento médico à população. As informações são da Agência Brasil.
A região da tríplice fronteira, formada pelas cidades de Tabatinga, Letícia, na Colômbia, e Santa Rosa, no Peru, é considerada pelo governo brasileiro uma das principais rotas do tráfico de cocaína no Norte do país. Segundo o prefeito, a visibilidade que o município está conseguindo com o evento pode se traduzir em obras de infraestrutura para a cidade. Ele disse acreditar que o treinamento pode ajudar a divulgar as dificuldades que a cidade enfrenta.
“O evento vai melhorar a nossa situação, eu acredito que pelo menos deve chamar mais atenção. E estamos preparados para divulgar o lado positivo e as nossas dificuldades”, disse.
Tabatinga fica distante cerca de 1,1 mil quilômetros de Manaus, onde só é possível chegar de barco ou avião. A cidade, com pouco mais de 60 mil habitantes, está localizada na tríplice fronteira com as cidades de Santa Rosa, no Peru, e Letícia, capital da província de Amazonas, na Colômbia.
Segundo o prefeito, se houvesse maior atenção com as zonas de fronteiras, haveria menor necessidade do uso das Forças Armadas e de policiais em operações como a que ocorre hoje em comunidades de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Os militares e policiais ocupam o Complexo do Salgueiro e a comunidade do Anaia, segundo a Secretaria Estadual de Segurança.
“Os congressistas e o governo deveriam olhar para cá com bons olhos e conhecer a área de fronteira, porque os policiais estão morrendo nas capitais dos estados e tudo passa por aqui: seja o tráfico de drogas, de armas, e tudo. E se não tem infraestrutra e segurança aqui, acabou. Não somos nós, que, sozinhos, vamos conseguir acabar com isso”, disse. “As autoridades precisam entender que o Brasil começa a aqui”, acrescentou.
Sem acesso de qualidade a diversos equipamentos e serviços públicos, a preocupação da população local é menos com a interação das tropas para o exercício militar e mais com um possível legado em acesso a serviços, especialmente os de saúde. Tabatinga conta apenas com uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e uma Unidade Básica de Saúde. A maioria dos atendimentos fica a cargo do Hospital de Guarnição do Exército.
Ontem, as atividades do AmazonLog tiveram início com a prestação de atendimento de saúde à população de Tabatinga e da região. Os militares afirmaram que o evento deixará um legado, mas lembraram que não são os responsáveis por suprir as demandas da localidade e que as soluções devem ser construídas com a participação de todas as esferas de governo.
Uma das preocupações do prefeito é com a sobrecarga dos equipamentos públicos, como no caso da área da saúde. Bemerguy disse que, apesar dos números oficiais apontarem para uma população de cerca de 65 mil pessoas em Tabatinga, o contingente atual está próximo dos 68 mil. O número, segundo o prefeito, pode ser maior se a população flutuante que cruza a fronteira em busca de serviços for contabilizada.
“Aqui, somos pólo regional de nove municípios do Amazonas, mas não só. No total são 25, porque temos o Peru e a Colômbia. E quando entra alguém no posto de saúde não tem essa questão de nacionalidade; é a vida que importa. O mesmo quando se trafega na rua. Se a rua quebra, se jogam lixo, acabamos pagando uma conta que não é nossa, pois temos aqui de 30% a 40% de um fluxo de pessoas, que gira em torno do município e que não é daqui”, afirmou.“Nosso maior gargalo é infraestrutra. Temos 200 km de ruas no barro, esgoto a céu aberto, não temos saneamento, temos um déficit de 120 salas de aula”, acrescentou.
Segundo o prefeito, além de investimentos em obras de infraestrutura, como saneamento básico e pavimentação, outra medida que deveria ser tomada é aumentar o efetivo policial na região, tanto de policiais civis e militares, quanto de federais. Bemerguy acredita que se houvesse sete viaturas, seis motos e um efetivo de 80 policiais militares, a cidade estaria com uma boa estrutura de segurança.
Para o AmazonLog17, a cidade recebeu temporariamente cinco viaturas da polícia militar e 60 policiais que estão atuando no policiamento ostensivo. “É gente de todo o lugar do mundo que acaba passando aqui e o que deve ser feito, nesse tipo de situação, a Colômbia já está fazendo. Lá, eles colocaram cerca de 300 a 400 policiais de todas as Forças para atuar do lado deles da fronteira.
“No nosso caso, os policiais federais aqui são poucos e ficam restritos ao controle de imigração. Eles não têm estrutura; a Receita Federal também só tem cinco funcionários que acabam trabalhando somente para dar assistência à Polícia Federal [PF]”, ressaltou.
No dia 7 de outubro, uma carga de 776 kg de drogas foi apreendida em Tabatinga. Os entorpecentes foram interceptados durante operação da PF com apoio das polícias Civil e Militar do Amazonas. Um dia antes da operação, dois policiais que atuavam na região foram feridos durante troca de tiros, em confronto com supostos traficantes.
Em março, cerca de 1,7 toneladas de maconha e cocaína foram apreendidas pela Marinha, durante abordagem a uma embarcação perto do pelotão de Vila Bitencourt, em Tabatinga. Também foram apreendidos um fuzil calibre 556 e munições.
Zona de Fronteira
O Brasil tem ao todo nove zonas de tríplice fronteira, a maioria delas na Região Norte, onde existem 9.762 km de fronteira brasileira da região com Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia. Entre elas, a de Tabatinga, a de São Gabriel da Cachoeira (com Colômbia e Venezuela) e a de Atalaia do Norte (Colômbia e Peru), todas no Amazonas. O avanço do crime organizado na região é uma das principais preocupações das autoridades. Atualmente, 21 mil militares estão na região.
Uma das preocupações é que o contigenciamento de gastos feito pelo governo federal prejudique a atuação das Forças Armadas. Somente o Exército sofreu, em 2017, contingenciamento de 43%. Em agosto, os ministros da Defesa de Brasil, Raul Jungmann, e do Peru, Jorge Montesinos, discutiram, em Tabatinga, sobre ações bilaterais de combate ao tráfico de drogas e armas, além do combate aos crimes ambientais na região de fronteira entres países. Foi a segunda vez que o ministro esteve em Tabatinga este ano. Na ocasião, Jungmann chegou a afirmar que contingenciamento de recursos não afeta operações de segurança nas fronteiras.
AmazonLog
Participam do AmazonLog cerca de 2 mil pessoas. Além dos exércitos do Brasil, da Colômbia e do Peru, há militares dos Estados Unidos. Do Brasil, participam cerca de 1.550 militares; a Colômbia deve enviar 150; o Peru, 120; e, os Estados Unidos, 30. Outros países, como Alemanha, Rússia, Canadá, Venezuela, França, Reino Unido e Japão levarão menos de dez representantes cada. A maioria dos militares começou a chegar à cidade no domingo (5).
A atividade envolve unidades de transporte, logística, manutenção, suprimento, evacuação e engenharia. No caso de catástrofes, por exemplo, requer o planejamento logístico de deslocamento de equipamentos, suprimentos e equipes até o local da ação. Durante o treinamento, são realizadas simulações do preparo da área, do atendimento aos feridos e da evacuação do local.
Segundo o Exército, parte da estrutura montada para o AmazonLog17 ficará como benefício para a cidade, a exemplo da manutenção realizada na rede elétrica de parte da cidade. O local de realização do exercício de logística poderá ser posteriormente transformado em área de lazer para a população.
Além de capacitar militares das Forças Armadas, o evento tem como objetivo promover uma atuação mais integrada das instituições que atuam em catástrofes naturais e acidentes, como Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, secretarias estaduais e polícias militar e civil.