Na época dos fatos, setembro de 2014, um pedido do órgão atendido pela Justiça afastou o então comandante da PM, coronel Eliézio Almeida da Silva, e o subcomandante, coronel Aroldo da Silva Ribeiro, que também são alvos da ação. Se condenados, José Melo, Henrique Oliveira e Platiny Soares podem ter os mandatos cassados, além de serem declarados inelegíveis por oito anos. Ao final do documento de alegações finais, a PRE-AM pede ainda a remessa de cópias do processo ao Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM) para que adote as providências cabíveis em relação a diversos fatos identificados que podem caracterizar improbidade administrativa e até crimes.
“A utilização política de uma Corporação da importância da Polícia Militar, que inspira respeito à comunidade e exerce inegável impacto na população em geral, pela própria autoridade de que goza o policial militar, principalmente junto ao eleitorado mais carente, teve efeito concreto no resultado do pleito, caracterizando o abuso de poder político que motivou a presente ação, sendo fator de inconteste afronta ao princípio da paridade entre os candidatos, que não pode ser ignorado pela Corte”, ressaltou o procurador regional eleitoral no Amazonas, Victor Santos, em trecho do documento.
A ação segue em tramitação no Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE/AM), sob o número 1958-16.2014.6.04.0000. O processo agora aguarda a apresentação das alegações finais dos acusados para, então, ser apreciada pelo relator e ir à julgamento. O relator do processo junto ao tribunal é o desembargador João Simões.
Atuação em núcleos
A apuração da PRE-AM que embasa a ação mostrou que o esquema de utilização da máquina administrativa com fins eleitorais foi estruturado em núcleos: alto comando da PM, grevista e legislativo. Após a deflagração da operação Quintessência, que investigou o mesmo esquema sob a ótica criminal, o Ministério Público obteve o empréstimo das provas obtidas naquela investigação – escutas telefônicas, documentos e testemunhos – que reforçaram ainda mais a prática de abuso de poder por parte do candidato à reeleição.
Entre as diversas medidas adotadas indevidamente pelo alto comando da PM à época estão o direcionamento da atuação da corporação para fins eleitorais, a concessão de benesses administrativas a oficiais aliados, perseguição a policiais contrários ao esquema e controle de lotação de policiais em locais de votação.
Gravação apresentada à PRE-AM e depoimentos de testemunhas comprovam a realização de reunião de trabalho em agosto, conduzida pelo coronel Eliézio Almeida, quando ainda ocupava o cargo de subcomandante-geral, durante o horário de expediente e em prédio público, em que conclamava os oficiais presentes a direcionar a atuação da tropa em prol da reeleição do atual governador, como forma de “retribuir tudo o que ele fez para a corporação”, e articulava a liberação da tropa para participação na gravação do programa de campanha do governador no dia seguinte. A PRE/AM verificou que a liberação se efetivou e as imagens gravadas foram utilizadas no programa eleitoral do candidato a reeleição exibido em 8 de setembro.
A partir das interceptações telefônicas obtidas com autorização judicial, como parte da operação Quintessência, ficou constatado que a prática não cessou após o afastamento do comando da PM à época dos fatos. Outros oficiais – entre eles o coronel Marcus James Frota Lobato, que posteriormente foi nomeado comandante-geral da PM no Amazonas – continuaram a orquestrar tratativas de cunho eleitoral, como retenção de material de propaganda de adversários e coação de policiais militares para trabalharem em favor da campanha de José Melo à reeleição, entre outras irregularidades.
Inércia diante de movimento grevista
A ação também demonstra que a cúpula da PM permaneceu inerte diante do conhecimento antecipado de realização da paralisação grevista promovida em abril de 2014 pelos praças da PM, com tomadas de viaturas oficiais e manifestações armadas. A apuração da PRE-AM concluiu que a inércia teve o intuito de promover a projeção e visibilidade política do candidato a deputado estadual Platiny Soares, então dirigente da Associação de Praças do Estado do Amazonas, e obter apoio da corporação à reeleição de José Melo.
Platiny Soares teve o pedido de registro de candidatura impugnado pela Justiça Eleitoral, a pedido da PRE/AM, por ter sido excluído dos quadros da PM por infração disciplinar em 2012, quando era soldado da corporação. Após ter sido excluído dos quadros da PM, ele apresentou mandado de segurança para reverter a decisão. Na ocasião, a manifestação da Procuradoria-Geral do Estado do Amazonas (PGE-AM) defendeu a legalidade da medida que o “licenciou a bem da disciplina” – o equivalente a demissão do servidor público civil – e o Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJ-AM) manteve Platiny fora dos quadros da PM.
De acordo com a ação da PRE/AM, o governador José Melo, em contradição à argumentação apresentada nos autos do mandado de segurança pela própria PGE, publicou decreto que anulou a exclusão de Platiny dos quadros da PM, promovendo seu consequente retorno à corporação e, com isso, eliminando o motivo que levou ao indeferimento de sua candidatura a deputado estadual. “José Melo de Oliveira utilizou de seu cargo para viabilizar, juridicamente, a candidatura de seu aliado Platiny Soares Lopes e com isso amealhar o apoio político da classe policial representada por Platiny”, afirma a PRE/AM no texto das alegações finais.
Diversos depoimentos colhidos pela PRE-AM ao longo da instrução do processo demonstram ainda que uma comissão de militares criada após a greve para supostamente exercer atividades na Casa Civil, visando ao atendimento dos pleitos da categoria, jamais realizou qualquer atividade naquele órgão, consistindo, na verdade, em militares designados exclusivamente para atuar de forma direta na campanha de José Melo e Platiny Soares.