“Na região do Rio Negro, ainda hoje tem várias etnias, e a presença indígena é muito forte. São vários grupos com culturas diferentes, mas com organizações sociais muito parecidas, até mitos e costumes semelhantes”, completa Raynice, que também é professora na Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
No município de São Gabriel da Cachoeira (a 852 quilômetros de Manaus) existe até uma lei municipal que reconhece outras línguas cooficiais: Baniwa, Tukano e Nheegatu. Esta última vem do tronco linguístico Tupi, que não tem origem na Amazônia, mas no litoral brasileiro.
O Nheengatu é o tupinambá antigo trabalhado pelos Jesuítas para evangelizar os indígenas. Através do contato entre indígenas e missionários, a língua subiu o Brasil e chegou a Amazônia. Durante o processo de colonização coexistiram duas línguas gerais: a língua geral paulista, usada na costa do Brasil, e a língua geral amazônica, derivada da paulista.
A especialista relembra que o português só chegou à Amazônia durante o Ciclo da Borracha, com os nordestinos. “Os nordestinos povoaram toda a região falando português e, consequentemente, difundiram a língua oficial [o português]”. Antes disso, o idioma era pouco falado pela população local, em sua maioria constituída por nativos, que falavam língua indígena e Nheengatu. Os estrangeiros que aqui viviam falavam seus idiomas pátrios, entre eles o português.
Resgate
A língua de um povo é o repositório cultural da sociedade. Há muitos anos os povos indígenas já sabem disso. Por essa razão, é comum falantes de línguas diferentes não poderem se casar por questão de preservação cultural. Existem ainda povos que mantêm a mulher monolíngue (pessoa que utiliza apenas uma única língua) para que esta transmita com fidelidade a cultura do seu povo através da educação dos filhos.
Etnias como os Muras e os Barés tomam como identidade linguística o Nheengatu, pois suas línguas originais já foram perdidas. “Entre os índios existe uma ideia de que você é mais índio quando fala uma língua indígena, por isso esses povos, mesmo tendo tido suas línguas extintas, adotaram o Nheengatu”, esclarece Raynice Silva.
Preservação
Sobre este aspecto, os linguistas trabalham de forma até heroica para a preservação e registro de línguas indígenas. Algumas delas têm mil falantes antigos em um universo de 6 mil indivíduos. “O linguista tenta documentar as línguas, porque tudo se registra através dela. Por exemplo, os mitos são transmitidos através da linguagem, se você perde essa língua, você também perde um pouco da cultura”, lamenta a Raynice.