O Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas recomendou à Prefeitura de Manaus e ao Estado do Amazonas, por meio de suas secretarias de Assistência Social e Direitos Humanos, a mudança no modelo de abrigamento atualmente oferecido aos imigrantes indígenas venezuelanos do povo Warao que chegam a Manaus. O órgão constatou que o atual modelo, de abrigos coletivos, tem resultado em vários conflitos, por isso pede a mudança para o modelo descentralizado, com acomodações destinadas a abrigar grupos familiares menores.
Em visita ao abrigo coletivo localizado no bairro Alfredo Nascimento, zona Norte de Manaus, o MPF constatou a ocorrência de conflitos frequentes entre os moradores, agravados pela falta de entendimento entre a administração e os abrigados, atualmente indígenas venezuelanos do povo Warao. A concentração de muitas famílias de origens diversas em um único local tem gerado desconforto, em especial em razão de divergências e conflitos entre elas.
Segundo o procurador Fernando Soave, do MPF, a situação no abrigo localizado no bairro Alfredo Nascimento, zona Leste de Manaus, está num ponto insustentável, com relatos constantes de atritos internos entre os Warao, e também destes com servidores públicos que atuam no abrigo, inclusive tendo ocorrido morte recente de bebê indígena no último domingo (5). O procurador informou que, até o momento, a Prefeitura de Manaus não solicitou recursos ao governo federal para dar continuidade às políticas de acolhimento e imigração, conforme compromisso assumido desde fevereiro deste ano em reunião de representantes da Secretaria Municipal da Mulher, Assistência Social e Cidadania (Semasc) e outros órgãos com MPF.
Em coletiva de imprensa, o procurador da República ressaltou ainda que, se comparados os valores atuais pagos em aluguel para manter o abrigo no bairro Alfredo Nascimento, que atende cerca de 400 indígenas e custa cerca de R$ 40 mil, e a casa que hoje abriga 130 pessoas no bairro Tarumã, ao custo de R$ 7,5 mil, a mudança no formato de acolhimento dos Warao representaria também uma economia aos cofres públicos, além de reduzir as tensões identificadas pelo MPF nos abrigos coletivos.
A necessidade de adoção de um modelo diferenciado para abrigamento dos imigrantes indígenas Warao, com a distribuição das famílias em grupos menores em vez de reunir grandes grupos, já havia sido apontada pelo MPF em parecer técnico elaborado por peritos de antropologia em 2017. De acordo com o documento, “o modelo de grandes abrigos é necessário como medida paliativa, a fim de evitar que permaneçam em situação de rua” e, além de diminuir as tensões entre famílias de origens diversas, o modelo descentralizado “tem a vantagem de possibilitar maior autonomia dos Warao quanto às atividades que executam”.
Desde 2017, com o aumento significativo do fluxo migratório em razão da crise generalizada que se estabeleceu sobre a Venezuela, o MPF acompanha, por meio de inquérito civil, as medidas de apoio aos imigrantes e indígenas Warao em Manaus. A partir da busca de diálogo com os órgãos de assistência social do Estado e do Município e com a importante participação de entidades da sociedade civil como a Cáritas Arquidiocesana e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), algumas medidas foram adotadas, mas o modelo de abrigamento adotado em relação aos indígenas não foi adequado conforme a necessidade apontada em diversas ocasiões.
Na recomendação, o MPF estabelece prazo de 60 dias para que as mudanças no modelo sejam efetivamente implementadas e informadas ao órgão pela Semasc e pelas Secretarias de Estado de Assistência Social e de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania. O documento reforça ainda que os órgãos devem responder, em dez dias, sobre o acatamento da recomendação e ressalta que a medida recomendada não impede a adoção de outras, pelo poder público, para os imigrantes indígenas que tenham interesse em construção de sua autonomia por meio de projetos rurais.
Histórico de pressões
Tradicionalmente habitantes do delta do rio Orinoco, na Venezuela, os Warao mantiveram seu ambiente relativamente preservado até viverem um intenso processo de migração motivado principalmente pela introdução do cultivo de ocumo chino em substituição aos buritizais, nas décadas de 1920-40, pela construção do dique-estrada no rio Manano, que levou ao fechamento do rio, e pela implantação de empreendimentos do setor petroleiro na região, ambas na década de 1960.
Conforme relatam os peritos do MPF no documento, essas e outras pressões que se acumularam ao longo do último século “se refletem nas condições de vida dos Warao na atualidade, em suas localidades de origem, jogando as famílias e pessoas da etnia para fora da espacialidade do delta e as obrigando a criarem alternativas que passam pelos contextos urbanos da Venezuela e, mais recentemente, também por outros países”.