Mortes de uma tragédia anunciada no Complexo Penitenciário em Manaus

Foto: Divulgação/Conselho Nacional de Justiça

Uma tragédia anunciada colocou Manaus nas manchetes dos jornais nesta segunda-feira (2). A repercussão nacional e internacional veio com a morte de mais de 70 pessoas no  Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), localizado na zona Oeste da capital. O motim – iniciado de um conflito entre facções criminosas na capital – foi registrado em pelo menos outras duas unidades prisionais.

Com mais de 20 anos de carreira, o juiz da Vara de Execuções Penais, Luís Carlos Valois, diz que nunca viu algo como o que encontrou na penitenciária. Chamado para negociar o fim da rebelião com os presos no Compaj, o magistrado chegou ao local e deparou-se com corpos esquartejados. “Nunca tinha visto algo como aquilo. Os próprios presidiários haviam retirado os corpos das celas e colocaram no pátio central do presídio. Eram membros e corpos sem cabeça pelo chão do local”, afirmou em entrevista à rádio CBN Amazônia.

Ainda segundo o juiz, as reivindicações foram muito simples, como banho de sol e tempo de visita. Uma tentativa de disfarçar o real motivo da rebelião: eliminar grupos de facções rivais.

O histórico do conflito

O pesquisador do programa de sociologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Ítalo Lima, realizou uma dissertação no Compaj entre os anos de 2013 e 2015. Segundo ele, nos últimos anos as relações de poder dentro das penitenciárias no Amazonas mudaram muito. Foi em 2012, de acordo com o estudioso, que grupos criminosos da região se organizaram e criaram o que conhecemos hoje pela facção ‘Família do Norte’.

Em 2013, o grupo realizou o primeiro comunicado oficial. No texto compartilhado nas redes sociais a facção criminosa colocou-se como contraponto do Primeiro Comando da Capital, mais conhecido como PCC, oriundo do Estado de São Paulo. Segundo o pesquisador, a Família do Norte se intitula como representante da Região Norte no controle do crime na região, eliminando facções da região Sudeste do comando narcotráfico na Amazônia.

Ação da Polícia Militar sobre o Compaj. Foto: Divulgação/Graer-PM

Para Lima, 2013 foi ano de rebeliões e fugas. “Foi nesse ano que a Família do Norte entrou em conflito direto com o PCC. Na época, houve registros de mais de três rebeliões numa mesma semana”, afirma. Segundo a SSP-AM, em 2013 houve a maior fuga em massa já registrada no Estado do Amazonas, com 144 fugitivos do Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat).

“Quem conhece o sistema prisional sabe que essa era uma rebelião que ia acontecer uma hora ou outra. O que ninguém podia imaginar era a quantidade assombrosa de mortes. Para mim, essa é uma clara mensagem a outras facções do país, afirmando que a Família do Norte busca o monopólio sobre os negócios do crime, e que não há espaço para outras facções criminosas no Estado”, afirma Ítalo Lima.

Das maiores rebeliões com casos de mortes de presidiários que aconteceram no Brasil, três foram na Amazônia Legal. A mais antiga aconteceu em Rondônia, com 27 mortos, em 2002. Em 2010, o Maranhão também entrou na lista de grandes conflitos em presídios, em um caso que deixou 18 mortos. Agora, em 2017, o caso no Compaj fica no topo das ocorrências, chegando a mais de 70 mortos. Esta é terceira maior rebelião com mortes no Brasil, perdendo apenas para os casos do Presídio da Ilha de Anchieta e do Carandiru, ambos no Rio de Janeiro.

  Imagem aérea do Complexo Penitenciário em Manaus. Foto: Divulgação/SSP-AM

A soluçãoPara Caupolican Padilha, especialistas em direito penal, toda a situação é reflexo das políticas públicas do Estado para o regime penitenciário. “A situação é muito simples. O sistema carcerário do Estado está abandonado, sem o controle há muito tempo. Os grupos que comandam o sistema carcerário se sentiram confortáveis o suficiente para realizar o que quisessem, e foi então que esse massacre aconteceu. Tudo foi deixado nas mãos dos próprios presos”, afirma Caupolican.

Segundo o especialista, governantes têm deixado a questão penitenciária de lado ao longo dos anos. “Já há algum tempo o sistema prisional do Estado vem sendo deixado de lado. Isso acontece porque esse é um problema em que a resolução não gera capital eleitoral, não ganha votos. Muitas vezes, quando eu ainda era presidente da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados, ficou notório a falta de vontade do poder público de discutir essa questão”, disse Caupolican.

Na entrevista à CBN, o juiz Luís Carlos Valois, disse que uma das maneiras de tentar resolver o problema é criar um grupo de trabalho que possa reunir representantes de várias órgãos e especialistas que lidam com a questão penitenciária no Estado do Amazonas. Caupolican Padilha disse que este seria um bom primeiro passo – mapear o problema – mas que ele não acredita que o poder público vai realmente ouvir e acatar as sugestões de um grupo de trabalho como esse.

“Durante muitos anos o governo escolheu pessoas que tomam decisões de maneira intuitiva sobre o sistema prisional. Muitas vezes baseado nas suas próprias experiências. O que nós precisamos é de um grupo cada vez mais especializado e técnico para decisões nesse sistema cada vez mais complexo, mas que tem solução”, finaliza Caupolican Padilha.

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