Mandioca ou macaxeira: pesquisadora paraense explica as diferenças

O Brasil é um dos maiores produtores mundiais da planta cultivada pelos indígenas antes mesmo da chegada dos portugueses

É macaxeira ou é mandioca? “A espécie é Manihot esculenta Crantz para ambas, o que diferencia é o teor de cianeto presente na raiz”, explica a professora Priscilla Andrade, do curso de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra). 
“A Manihot esculenta Crantz é originária da Amazônia, planta já cultivada pelos indígenas antes mesmo da chegada dos portugueses ao Brasil. O Brasil é um dos maiores produtores mundiais, com produção de 23 milhões de toneladas de raízes frescas de mandioca e o período da safra é de janeiro a julho”, diz.
No Pará, os maiores produtores são os municípios do Acará, Santarém, Oriximiná, Alenquer e Óbidos. (Foto:Divulgação)

A macaxeira pode ser consumida logo após um curto período de cozimento. Enquanto a mandioca, a indicação é apenas o consumo de seus derivados, após preparação e retirada de todo veneno. A macaxeira também é conhecida como mandioca mansa ou aipim, e possui menos de 50 mg de HCN por kg de raiz fresca sem casca. Já a mandioca, ou mandioca brava, apresenta acima de 100 mg de HCN por kg de raiz fresca sem casca. E não adianta tentar fazer essa identificação só no “olhômetro”, como explica a pesquisadora.

“Não é recomendável a identificação visual ao se procurar por particularidades nos tipos de mandioca. Tanto a macaxeira quanto a mandioca brava podem apresentar pele branca ou rosada, caule verde ou rosado ou alguma característica semelhantes nas raízes. Esses dois tipos são bastante parecidos e não podem ser diferenciados a olho nu, precisando de uma análise laboratorial para quantificação do ácido cianídrico” diz.

Manihot esculenta Crantz é originária da Amazônia. (Foto:Divulgação/Ufra)

No Pará, os maiores produtores são os municípios do Acará, Santarém, Oriximiná, Alenquer e Óbidos. E a maior parte da destinação das raízes é para produção de farinha de mesa, consumida no próprio Estado

Para a Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) e a empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a planta de mandioca é considerada como o “Pão do Brasil”, pois da planta pode-se utilizar todas as suas partes. De acordo com a pesquisadora, a classificação está relacionada ao teor de ácido cianídrico, e pode ser considerada da seguinte forma:

Mandioca brava, amarga ou industrial:Não pode ser consumida crua, sendo totalmente utilizada na indústria alimentícia. Logo, seus produtos são alimentos derivados da mandioca, como as farinhas, féculas, gomas e outros. Também é utilizada em aditivos alimentares, como por exemplo, espessantes para embutidos. Já quanto a produtos não alimentícios, pode ser usada em embalagens, colas, mineração, indústria têxtil, farmacêutica e outros”, diz.

Mandioca mansa, de mesa ou aipim: “Apresentam baixos teores de ácido cianídrico, podem ser consumidas sem necessidade de muito processamento. E são esses os produtos: Mandioca in natura, minimamente processada; Mandioca pré-cozida e congelada, com grande comercialização; e a mandioca sob a forma de Snack, produto que vem conquistando mercado”, afirma.

Folhas

A folha triturada da mandioca recebe o nome de maniva, e além de ser fonte de proteínas e fibra, é muito conhecida pelos paraenses, já que a maniva é o ingrediente principal de um prato típico da região: a maniçoba. Mas não são só os amazônidas que apreciam a maniva. De acordo com a professora, as folhas da mandioca são consumidas em pelo menos 60% dos países da África subsaariana e em alguns países asiáticos, como a Indonésia, a Filipinas e a Malásia.

“As folhas da mandioca são consumidas como fonte de vitaminas e minerais, principalmente por mulheres grávidas, em Serra Leoa e na Libéria, para aumentar produção de leite materno. No Brasil, para combater a desnutrição, o pó da folha da mandioca foi formulado como um suplemento alimentar “multimistura”, para ser utilizado principalmente por mulheres grávidas e crianças”, diz.

Mas esse consumo jamais deve ocorrer sem o cozimento da folha, e por um longo período, como explica a pesquisadora. “A toxidade das folhas de mandioca, ocasionada pelo teor de cianeto, restringe o uso in natura. A melhor forma de manuseio visando a redução do teor de ácido cianídrico é a técnica de triturar as folhas antes de cozinhar”, alerta.

A folha da mandioca é fonte de proteínas e fibra. (Foto:Divulgação/Ufra)

O período de cozimento da maniva tradicionalmente é de sete dias. A Instrução Normativa nº 1 de 06 de maio de 2016 da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (ADEPARA) preconiza o cozimento da maniva por um tempo mínimo de 50 horas, a uma temperatura de 100 ºC, para que não ocorra risco de envenenamento.

“A legislação brasileira preconiza que a concentração máxima tolerada de ácido cianídrico é de 4 mg/kg, com base nesses critérios deve-se obedecer ao tempo mínimo de 50 horas a 100ºC. Mas em termos de paladar, o tempo e a forma de preparo fica a critério do cozinheiro”, diz. A pesquisadora alerta ainda que o mal cozimento da maniva pode acarretar em fraqueza geral, dificuldade de respiração, dor de cabeça, náuseas e vômitos que podem ser seguidos, de acordo com a intensidade do envenenamento, por inconsciência e morte.

Segundo informações da Adepará, o Pará possui seis unidades produtoras de manivas registradas, que chegam a produzir 180 toneladas de maniva pré-cozida todos os anos. Cinco delas estão localizadas na região nordeste do Pará, quatro no município de Santo Antônio do Tauá e uma em Inhangapi. A sexta unidade está localizada no distrito de Icoaraci.

Projeto

A professora atualmente coordena o Projeto de pesquisa intitulado “Qualidade de Sistemas de plantio de açaí e mandioca, produzido pelos pequenos produtores agroindustriais do Estado do Pará”, juntamente com professores dos Cursos de Graduação em Agronomia e Ciência e Tecnologia de Alimentos.

“O objetivo do projeto é avaliar as características físicas do solo, biométrica das plantas, físico-química dos frutos de açaí e das raízes de mandioca e dos produtos alimentícios, produzidos pelos pequenos produtores agroindustriais do Estado do Pará”, explica.

Projeto “Qualidade de Sistemas de plantio de açaí e mandioca, produzido pelos pequenos produtores agroindustriais do Estado do Pará”. (Foto:Divulgação/Ufra)

O projeto teve início em 2018 e já foram avaliadas cinco propriedades de pequenos produtores de mandioca oriundos do Município de Parauapebas, no sudeste do Pará.

“Foram observadas diferenças no desenvolvimento das plantas entre os produtores estudados, também foi realizada a caracterização física, química e sensorial das raízes de mandioca de diferentes variedades. Nós desenvolvemos produtos como mandioca minimamente processada, doces de mandioca com diferentes sabores, como o brigadeiro, beijinho, coco, goiabada e queijo. Também já foram realizados dois trabalhos de conclusão de Curso de discentes da Agronomia, e atualmente 10 bolsistas desenvolvem trabalhos de iniciação científica no projeto”.

Lenda da mandioca

Em uma certa tribo indígena a filha do cacique estava grávida. Tomando conhecimento de tal fato, o cacique ficou muito triste, pois sonhava que a sua filha iria se casar com um forte e ilustre guerreiro. No entanto, ela estava esperando um filho de um desconhecido.

Uma noite, o cacique sonhou que um homem branco aparecia em sua frente dizendo para ele que não ficasse triste, pois sua filha não o enganaria; ela continuava sendo pura. A partir desse dia o cacique voltou a ser alegre e a tratar bem sua filha novamente. Algumas luas se passaram e a índia deu à luz a uma linda menina de pele muito branca e delicada que recebeu o nome MANI.
Mani era uma criança muito inteligente e alegre, sendo muito querida por todos da tribo. Mas um dia em uma manhã ensolarada, Mani não acordou cedinho como de costume. Sua mãe foi acordá-la e a encontrou morta. A índia, desesperada, resolveu enterrá-la à entrada da maloca. Todos os dias a cova era regada pelas lágrimas saudosas de sua mãe.

Um dia, quando a mãe de Mani foi até a cova para regá-la novamente com lágrimas, percebeu que uma ela planta havia nascido naquele local. Era uma planta totalmente diferente das demais e desconhecida de todos os índios da floresta. A mãe de Mani começou a cuidar desta plantinha com todo o carinho, até que um dia percebeu que a terra a sua volta apresentava rachaduras.

A índia imaginou que sua filha estava voltando à vida e, cheia de esperança, começou a cavar a terra. Em lugar de sua querida filhinha encontrou as grossas raízes da planta, branca como o leite, e que veio tornar-se alimento principal de todas as tribos indígenas” (Fonte: Maria do Carmo Pereira Coelho, 2003)

Lenda da Mandioca. (Foto:Reprodução/Xapuri Soioambiental)

Lenda da Mandioca: COELHO, Maria C. P. As narrações da cultura indígena da Amazônia: lendas e histórias. 2003. 223 f. Tese de doutorado (Linguística). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003. Disponível em: https://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/LinguaPortuguesa/Maria_carmo.pdf
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