Manaus aguarda um novo destino para o ‘Casarão da Sete’

Durante seus quase 110 anos de existência, como qualquer outra penitenciária no planeta, a Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa foi palco de tristes histórias. No final do ano passado, porém, uma luz no fim dos raios onde ficam as celas começou a iluminar o destino, senão das milhares de pessoas que ocuparam aquelas celas, ao menos do prédio. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou em outubro que o prédio, deteriorado e superlotado de presos fosse desativado e, como tantos outros, no Brasil e no mundo, tivesse um destino mais digno, no caso, ser transformado em espaço cultural.

Em 2014, a hipótese de transformar a Vidal Pessoa num museu já havia sido levantada, mas a proposta não foi levada adiante e os presos continuaram a ser os ‘artistas’ do local. Na época, o deputado Josué Neto havia comentado sobre os benefícios que a mudança de atividade traria ao prédio e a cidade. “Nosso intuito é dar aos pavilhões um novo significado. Queremos que os espaços sejam ocupados pela produção artística e cultural. Que tenha aulas de dança, teatro, literatura, música e artes plásticas, exposições e debates sobre artes, também com apresentações culturais, buscando ocupar o espaço público de forma produtiva”, falou o deputado.

Foto: Patrick Mota/Rede Amazônica
Quando finalmente a questão foi resolvida e o prédio entregue à Sec, eis que o destino resolveu pregar uma peça nos homens de pouca boa vontade. Após o massacre entre presos ocorrido no início de janeiro deste ano, quando 60 deles morreram no  Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) e no Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat), 284 foram trazidos de volta, por medida de segurança, à Raimundo Vidal Pessoa e, em nova tragédia, quatro foram mortos apenas uma semana depois do primeiro massacre.

Uma honra para o Estado

A história do ‘casarão’ da Sete de Setembro teve início durante o governo de Antônio Constantino Nery (1904/1907). As obras do prédio começaram em 1904, sob as ordens do arquiteto Emydio José Ló Ferreira e do diretor geral de Obras Públicas, J. Estelita Jorge, sendo o projeto de responsabilidade da empresa Rossi & Irmãos.

Em seu livro ‘Manaus, História e Arquitetura – 1852-1910’ (EDUA, 1997), o historiador Otoni Mesquita conta que em 1907, documentos oficiais informavam que a construção da penitenciária estava em andamento e em vias de conclusão. Apesar de a obra ter sido inaugurada em 19 de março daquele ano, em julho, segundo Mesquita, “tinham concluído um dos ‘raios’, mas a obra havia sido paralisada em consequência das faltas cometidas pelo contratante da construção”, escreveu Otoni. 

Foto: Reprodução/Agência Brasil
Em mensagem do governador Constantino Nery, de 10 de julho de 1907, quando o prédio deve ter ficado totalmente pronto, ele faz uma descrição do mesmo.

“A Casa de Detenção, iniciada e concluída no meu Governo, belo e útil edifício que ocupa uma área de mais de 15.000 metros quadrados, com majestosa fachada de comprimento superior a cem metros lineares, obedecendo ao estilo dórico-lombardo, mais adequado ao nosso clima equatorial…”. O governador segue descrevendo a edificação: o pátio, o dormitório e o refeitório dos guardas, a enfermaria, as celas especiais para reclusão de presos não-sentenciados, as celas isoladas e as guaritas. Nery finaliza com uma frase que chega a soar irônica: “é, pois, um estabelecimento que honra o Estado do Amazonas”.

Novos destinos para antigas cadeias

A desativação de cadeias e sua transformação em centros culturais já é algo comum no Brasil. Tendo como exemplo mais antigo, a nova destinação dada a Casa de Detenção do Recife (PE). Em 1973, o excesso de detentos e a noção de que não era mais seguro manter uma casa de detenção no centro da cidade, fizeram o então governador Eraldo Gueiros Leite fechar a penitenciária e transformá-la na Casa da Cultura, dando uma nova configuração a obra projetada em 11850 por Mamede Alves Ferreira.

Hoje, a Casa da Cultura é visita obrigatória de todos os turistas que chegam a Recife, com uma variedade imensa de artesanato vindo de mais de 149 municípios do Estado. As antigas celas, que abrigaram personalidades como: Antonio Silvino, Gregório Bezerra, Paulo Cavalcanti, Graciliano Ramos, entre outros, foram transformadas em lojas de artesanato, livrarias e lanchonetes. Apenas uma, no raio leste, permanece exatamente como foi deixada pelos presos, e o pátio externo, além de ter sido transformado em uma área para shows e manifestações populares e folclóricas também possui uma praça de alimentação com iguarias típicas da região.

Ainda no Nordeste, uma construção da década de 1930, erguida para ser a residência de uma família de classe nobre da capital potiguar, após várias destinações, entre elas escola pública e cadeia, em 1976 passou a abrigar o Centro de Turismo de Natal. Assim, o casarão passou a acolher, além do posto de informações turísticas, lojas de artesanato e uma galeria de arte, que expõe obras produzidas na região, ocupando as estruturas das celas da antiga prisão. Após 150 anos como local de privação da liberdade, tanto para presos de justiça como para presos políticos, o prédio que já serviu também como Convento de São José em Belém (PA), renasceu em 11 de outubro de 2002 como Espaço São José Liberto, uma referência de território criativo e turístico da capital paraense.

Atualmente o prédio abriga o Museu de Gemas do Pará, o Polo Joalheiro, a Casa do Artesão, o Memorial da Cela, o Jardim da Liberdade, a Capela São José, o anfiteatro Coliseu das Artes, um espaço gourmet, seis lojas de jóias, duas ‘ilhas’ com serviços especializados em ourivesaria e lapidação, uma escola de ourivesaria, auditório e mezanino.

Em São Paulo (SP) a história do presídio do Carandiru está marcada pela rebelião de presos que terminou no massacre de 111 detentos pela Polícia Militar, em outubro de 1992, um dos episódios mais perturbadores da ação policial paulista. Após um longo processo de desativação, aos poucos a cidade foi se despedindo do presídio.

Os pavilhões 6, 8 e 9 foram implodidos em 2002, e em julho de 2005 foram os pavilhões 2 e 5 que sumiram sob bombas, terminando o processo de implosão do Carandiru. No local foi erguido o Parque da Juventude. Os pavilhões 4 e 7 foram transformados em Escolas Técnicas.

Tem alguma coisa errada

Em 2011, o Brasil gastava mais de R$ 40 mil por ano em cada preso nos presídios federais, enquanto investia uma média de R$ 15 mil com cada aluno do ensino superior.

Já com os detentos de presídios estaduais, se gastava em média R$ 21 mil por ano com cada criminoso, sendo nove vezes mais caro que um aluno do ensino médio, no qual era investido, em média, R$ 2,3 mil por aluno.

Nomes que o “Casarão da Sete” já teve:

1906 – Casa de Detenção de Manaus;
1928 – Penitenciária do Estado do Amazonas;
1942 – Penitenciária Central do Estado;
1981 – Unidade Prisional Central;
1985 – Penitenciária Desembargador Raimundo Vidal Pessoa;
1999 aos dias atuais – Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa.

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