Indígenas venezuelanos relatam dificuldades em Manaus

A crise política no país de origem, falta de emprego e poucas condições para manter a família com atividades de agricultura e pesca foram alguns dos motivos que levaram mais de 400 indígenas venezuelanos da etnia Warao a fugirem para Manaus. Na capital amazonense, alguns dizem ter o desejo de conseguir emprego e se fixar na cidade. “Se trabalharmos, não vamos mais precisar pedir dinheiro nas ruas”, disse um dos venezuelanos.

Uma força tarefa para a regularização dos imigrantes no país deve ser formada entre a Secretaria Municipal da Mulher, Assistência Social e Direitos Humanos (Semmasdh) e a Polícia Federal.

Enquanto enfrenta diferenças climáticas de sol e chuva em baixo de um viaduto ao lado da Rodoviária de Manaus, o pajé da tribo Warao, Aníbal Perez, explica que os indígenas moravam em oito comunidades diferentes, em zonas rurais e fluviais na Venezuela.

“Na comunidade que vivia, trabalhava com a pesca. Coletávamos pescado e vendíamos depois em diferentes comércios para ter recursos para comprar alimento. Agora, não podemos fazer isto devido às condições do país. A situação na Venezuela está muito difícil”, disse o pajé.

Foto: Patrick Marques/Rede Amazônica
Anibal conta que decidiu vir para Manaus em busca de sobrevivência para a família. “Viemos buscando alimento porque nenhum de nós consegue comprar nada na Venezuela, nem vestimenta, calçado, nada”, lamentou.

Com a esperança de conseguir uma boa vida para a família em Manaus, o indígena venezuelano Ebelio Mariano, 40 anos, lembra que era motorista de lancha na Venezuela, porém, o trabalho não estava mais sendo suficiente para manter os familiares. “O que recebíamos era pouco. Não tínhamos mais alimento e não podíamos roubar. Estava difícil de sobreviver e decidimos [migrar] com toda a família. [Na Venezuela] já havia acabado tudo: alimento, remédios, trabalho”, enumera Mariano.

O indígena Juan Perez está abrigado debaixo do viaduto com a esposa e os cinco filhos, com idades entre 3 a 5 anos de idade. Na Venezuela, ele morava em uma comunidade rural e costumava trabalhar com agricultura, pesca e pinturas para manter a família. Ele criticou ainda o Governo da Venezuela. “Eles nunca fizeram nada para nós, indígenas. Não há projetos lá para nós trabalharmos. Não sabemos para onde vão os recursos”, questiona Juan.

Sem trabalho, Juan lamentou que as condições das famílias no país eram preocupantes. “Temos que trabalhar para manter nossas famílias. Não é para riqueza. Precisamos alimentar os filhos, ter remédios para as doenças. Um homem trabalha para manter os filhos”, disse.

Sobrevivência

O pajé Anibal afirmou que os indígenas Warao se sentem bem acolhidos na cidade e sentem o “calor” da sociedade. “São pessoas boas que nos ajudam com muitas doações para que possamos nos adaptar. Sentimos este calor humano de solidariedade que fazem por nós. É uma cidade irmã e muito solidária”, disse à reportagem do G1 Amazonas.

Já Ebelio disse que se sente muito bem junto com seus dois filhos e a esposa, apesar de estar abrigado em barracas em Manaus e não no país de origem. Após a imigração dos indígenas venezuelanos para Manaus, ficou comum encontrar mulheres nos sinais da cidade em busca de dinheiro, com crianças no colo. Com isto acontecendo, Ebelio afirmou que está sendo a única alternativa para eles, enquanto os homens não conseguem se regularizar em um emprego na cidade.

“Aqui em Manaus, precisamos de trabalho. Consegui tirar meus documentos e minha esposa também. Havendo trabalho, as mulheres não vão mais precisar pedir retribuição na rua. Isso deve acabar. Nós queremos trabalhar”, afirmou o indígena Warao.

“Para mim é muito melhor”, foi o que afirmou Juan quando questionado a respeito da vida em Manaus. Ele lembrou que, para chegar em Manaus, ficou três dias sem comer mas, agora, consegue se alimentar junto com a família, devido as doações.

Juan também afirmou que os indígenas desejam trabalhar de forma dígna, em Manaus. “Não podemos voltar para a Venezuela assim. Podemos voltar se melhorar a situação para nós lá. Trabalho aqui tem, mas é difícil. Precisamos tirar nossos documentos para trabalhar. Conseguindo, vamos sair das ruas e pedir nos semáforos. Podemos trabalhar, homens e mulheres”, finalizou.

Caminhos para o trabalho

Para que o sonho se torne realidade para os venezuelanos, a Semmasdh informou que o primeiro passo é a regularização dos indígenas em Manaus. Para isto, eles precisam tirar documentos de identificação como o Registro Geral (RG) e o Cadastro de Pessoa Física (CPF).

De acordo com o órgão municipal, o secretário Elias Emanuel se reuniu com o superintendente da Polícia Federal em exercício, Richard Murad, e com o chefe da Delegacia de Imigração, Pablo Oliva, para que seja organizada uma força-tarefa para a expedição de documentos como RG.

Após a regularização dos indígenas venezuelanos que desejam ficar no país, o próximo passo segundo a Semmasdh deve ser o começo de um processo envolvendo outros órgãos como a Secretaria Municipal do Trabalho e Desenvolvimento Social (Semtrad), para que sejam criados cursos de qualificação para gerar emprego para eles.

A chegada dos índios Warao

Os indígenas venezuelanos Warao começaram a migrar para Manaus após o início da crise política vivida pelo país de origem. Ao chegar na cidade, grupos se reuniram e começaram a viver em barracos em baixo de um viaduto ao lado da Rodoviária da cidade. Com o tempo, mais pessoas eram vistas no local e mulheres foram as ruas em busca de dinheiro.

Segundo dados do Ministério da Justiça, de janeiro a abril, o Brasil já abriga 2.899 venezuelanos como refugiados. O órgão recebe ainda cerca de 150 pedidos de refúgio por dia. O estado que mais apresenta busca de pedidos de refúgio pelos venezuelanos é Roraima, com 2.007 e o Amazonas é o menos procurado, com 61, de acordo com o Ministério de Justiça.

De acordo com a Semmasdh, todos os dias indígenas venezuelanos chegam e saem de Manaus e o número total varia diariamente. Com este cenário, a média estipulada pelo órgão é superior a de 400 indígenas vivendo na capital.

Segundo o governador em exercício do Amazonas, David Almeida, um prédio que funcionava um projeto social do governo, ‘Projeto Cidadão’, no bairro Coroado, será disponibilizado para abrigar os indígenas venezuelanos que estão no viaduto próximo à Rodoviária da capital. A medida faz parte de um plano emergencial de ajuda humanitária aos indígenas.

*A reportagem é do G1 Amazonas. 

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