“Eu nasci uma mulher, bonita e maravilhosa. Me chamar pelo nome que está na identidade não dá. Você nem imagina eu sendo uma mulher tendo que ser chamada com nome de homem. É dolorido e uma tortura psicológica. Consegui com luta e teimosia fazer com que as pessoas me respeitassem e me vissem como ser humano”, afirmou.
A adoção do nome social teria partido da juíza que acompanha o caso da índia e teve apoio da defensora pública que também acompanha o processo. A atitude foi autorizada pelo judiciário. O processo em curso é sobre a reintegração de posse de uma área na capital que seria da índia.
De acordo com o chefe do departamento Civil da Defensoria Pública, Raphael Monteiro, não há legislações que autorizem o uso de nome social em um processo jurídico, mas a sensibilidade da magistrada tornou a situação mais confortável para a parte.
“No momento da audiência houve essa sensibilidade por parte da juíza, juntamente com a defensora, e foi decidido adotar o nome social no processo. O que se busca é inserir essas pessoas num contexto social de maneira que elas possam sentir-se à vontade. A pessoa com características femininas sendo chamada por um nome masculino gera um constrangimento para ela”, afirmou Monteiro.
Mudança
Há 30 anos Yrapoti vive no Amapá. Ela atua como parteira obstetra, profissão que aprendeu aos 14 anos, como herança da família de parteiros. Atualmente, com seis filhos de criação, ela começa ter outros sonhos como, por exemplo, colocar próteses mamárias. “Eu estou muito feliz, meus animais, minhas plantas, amo meus filhos como se tivessem vindos de mim. Hoje tenho apoio das pessoas que me conhecem e principalmente do judiciário. Mas vou completar minha felicidade depois que eu colocar minhas próteses de mamas”, disse a índia.
Descoberta de si
Nascida no interior do Amazonas, na fronteira com a Colômbia, a índia conta que recebeu o nome Yrapoti ainda bebê pelo próprio pai. Na aldeia onde nasceu, da tribo dos Guaranis, os índios transgêneros são mortos assim que identificados, segundo ela, e por isso a família resolveu fugir para Manaus, e em seguida para Macapá.
Na capital amapaense, ela foi registrada como ‘Raimundo’ na juventude e passou a entender sobre a própria sexualidade em uma época de forte preconceito. Yrapoti lembra ter se apaixonado por um garoto amapaense, com quem passou a morar e constituir família durante 15 anos.
“Eu não sabia que homem ficava com homem. Eu olhava para mim e não sabia o que eu era. Um certo dia ele me deu um beijo, disse que podia beijar. E ele foi meu companheiro por 15 anos. Num lugar como esse, pequeno, onde ninguém estava acostumado a ver duas pessoas do mesmo sexo, era difícil. Mas ficamos juntos”, lembrou.
A índia afirmou que, após encerrar o processo judicial de reintegração de posse, vai iniciar o processo para alterar o prenome que consta na documentação oficial dela, para o nome que sempre se identificou: Yrapoti das Neves Santos Maciel.