Especialistas comentam sobre prédios abandonados em Manaus

“O mais antigo é o da Santa Casa de Misericórdia, cuja construção começou em 1873 . Não pegou fogo, como o Museu Nacional, mas está totalmente destelhado”, Fábio Carvalho – acadêmico de história

O mundo inteiro lamentou o incêndio no Museu Nacional, do Rio de Janeiro, e a perda quase total de seu acervo. Uma vergonha para o país no qual nunca há dinheiro para manter a conservação de prédios históricos e seus acervos.

Em Manaus não é diferente. Há quatro meses o pesquisador Ed Lincon Barros, especialista nas histórias das salas de cinema de Manaus, e Fábio Augusto de Carvalho Pedrosa, acadêmico de história e pesquisador de fatos históricos amazonenses (que podem ser lidos em seu blog ‘História Inteligente’), percorreram as ruas do centro antigo de Manaus, do São Raimundo e do Educandos listando os prédios públicos e particulares seculares que estão abandonados, alguns, em vias de desabamento, num trabalho que deveria ser feito pelo Estado, pela prefeitura e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Ipham), instituições que possuem poder para proporcionar algum destino digno para essas edificações.

“Listamos 94 prédios históricos (com ao menos mais de cem anos de existência) abandonados, com problemas na estrutura e risco de desabamento”, falou Fábio Augusto.

Foto: Evaldo Ferreira/JC
“Foram 92 prédios no centro antigo, um no São Raimundo e um no Educandos”, completou. “O mais antigo é o da Santa Casa de Misericórdia, cuja construção começou em 1873 e se estendeu por mais de 20 anos. Desativado como hospital há uns 15 anos, pelos padrões modernos, o prédio já não serve mais para ser uma casa de saúde. Não pegou fogo, como o Museu Nacional, mas está totalmente destelhado, como aquele”, lamentou Fábio.

Mau exemplo para alunos

“Outra imagem triste para Manaus é a do Complexo Booth Line, e pior ainda porque fica junto ao porto, o roadway, por onde circulam milhares de turistas. Construído no final do século 19, o complexo reunia os escritórios de ricas empresas da época áurea do comércio da borracha, como a B. A. Antunes & Cia. Comissões, Consignações, Importadores e Exportadores; a Booth Steamship Company, a sede da Manaós Tramways and Light Company; a Scholz & Cia.; e o bar e restaurante Bolsa Universal (este, já desabou por completo)”, lamentou.

“Ainda na região do porto, temos o prédio onde funcionou o Museu do Porto, construído em 1903, originalmente para ser a Casa de Máquinas. Como museu, está fechado desde 1997 e, ao que se sabe, com todo o acervo dentro. Sem manutenção, imagine como não deve estar esse acervo”, reclamou. “Também o prédio da Alfândega, inaugurado em 1906, está fechado há alguns anos e, acredito, com muita coisa antiga em seu interior. Lembro que nas suas belas escadarias tinham duas estátuas, acho que de bronze, ornando as laterais”, disse.

“Na praça do Congresso temos o casarão, de 1905, que pertenceu ao médico canadense Harold Howard Shearme Wolferstan Thomas, o Dr. Thomas, que dá nome ao asilo. Lá funcionou seu Yellow Fever Research Laboratory (Laboratório de Pesquisas da Febre Amarela). Em 1995 foi instalada no prédio a Biblioteca Municipal João Bosco Pantoja Evangelista, fechada em 2011 para reformas, que até hoje não aconteceram. Desde então o prédio permaneceu fechado, começou a se deteriorar e está assim, sem que nada seja feito nele. E olha que fica junto a uma das praças mais populares de Manaus, próximo ao IEA, num mau exemplo para os alunos do descaso das autoridades com a coisa pública”, falou.

O descaso dos herdeiros

“Outro descaso com a nossa história pode ser visto na Escola Estadual Saldanha Marinho, onde estudaram inúmeras crianças que, depois se tornaram ilustres personalidades em nossa cidade. O casarão está abandonado desde setembro do ano passado, e já foi totalmente saqueado. Lá aconteceram as primeiras aulas da Escola Universitária Livre de Manáos, em 1909, a primeira universidade brasileira, depois transformada na UA e hoje, Ufam”, lembrou. “Ainda tem a penitenciária Raimundo Vidal Pessoa, inaugurada em 1907, o antigo Edifício Tartaruga (o mais novo, visitado por nós, da década de 1930), o Hotel Cassina, de 1910, que era particular e hoje pertence ao município, sem falar das edificações particulares”, destacou.

“Só na avenida Joaquim Nabuco verificamos uns 20 prédios em situação de risco; nove, na rua Visconde de Mauá; e sete na Luiz Antony. São casarões que pertenceram a famílias ricas, hoje abandonados por diversos motivos: algumas dessas famílias simplesmente acabaram; outras, os descendentes venderam os casarões e quem os comprou, por algum motivo, os deixou no mesmo estado; e existem aqueles descendentes que nunca quiseram saber do imóvel. Um exemplo é aquele sobrado na esquina da Leonardo Malcher com a Getúlio Vargas. Descobrimos seus herdeiros proprietários: três irmãos octogenários, sem descendentes, que nunca quiseram saber do imóvel”, concluiu.   
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