A artesã e técnica cultural Maria Luísa Nunes, de 61 anos, nunca imaginou que a arte de customizar roupas com remendos, que aprendeu ainda na infância com a sua avó, a levaria tão longe: do Quilombo Boca da Mata, no município de Salvaterra, região da Ilha do Marajó, para o maior evento de moda do país e o mais importante da América Latina: o São Paulo Fashion Week (SPFW). Ela foi convidada, pela organização do evento, para participar de um bate-papo e compartilhar a sua experiência e processo de criação de camisas customizadas por ela, com representação da mulher negra.
A oportunidade surgiu após a participação da artesã em duas edições da Feira da Biodiversidade, promovidas pelo Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-Bio), no Parque Estadual do Utinga (PEUt). Maria conta que, mesmo sem acreditar num primeiro momento, aceitou o convite para ir ao SPFW.
“Uma moça de São Paulo estava caminhando no Parque (no dia Feira), viu as camisas e começou a perguntar sobre o meu processo de criação. Ela pediu meu contato e, depois disso, recebi uma ligação da organização me convidando pra participar do evento. Eu não acreditei. A pessoa insistiu e disse que precisava comprar a minha passagem pra ir falar sobre o meu trabalho no evento”, lembra.
Maria embarcou para São Paulo no dia 26 abril deste ano e, ao chegar lá, foi recebida por um grupo da organização do evento. “Assisti ao desfile do Ronaldo Fraga e depois falei sobre o meu processo de criação. Foi um dia de imersão. Fazemos camisas políticas, pelo enfrentamento ao feminicídio e combate ao racismo”, diz a artesã.
Pela visibilidade conferida a seu trabalho na Feira da Biodiversidade, que reúne produtores rurais e artesãos de diversas regiões do Estado do Pará, a artesã agradece. “Para mim foi uma aula estar lá. Agradeço ao Ideflor, porque a Feira está nos abrindo muitas portas. Estar na feira é levar alimento pra nossa casa. É uma atuação coletiva. Fui representar a todos”, pondera Maria.
‘Amor Tecido’
Como é de costume entre as pessoas que vivem nas zonas rurais do Pará, Maria, que cresceu em uma comunidade quilombola, ganhou os primeiros recortes de remendos de tecidos da avó e assim foi aprendendo a modificar as roupas. “Éramos cinco irmãs. Uma ia passando a roupa pra outra e a gente modificava pra usar também. Usávamos retalhos de tecidos, linha e agulha somente”, lembra ela, que é técnica cultural por formação, mas que sempre teve o artesanato como um hobby.
Engajada nas causas sociais de mulheres negras, em 2015 participou da mobilização organizada pelo Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará (Cedenpa), que tinha como objetivo levar uma representação do movimento feminino do Estado para a Marcha Nacional das Mulheres Negras, em Brasília. Mas o grupo precisava de recursos para arcar com as despesas da viagem e alimentação. Foi assim que Maria teve a ideia de reunir um grupo de mulheres quilombolas e negras para customizar camisas com retalhos de tecidos africanos para vender.
Elas conseguiram vender as 80 unidades de camisas produzidas no dia do lançamento da Marcha das Mulheres, em Belém. “Ninguém era costureira, mas foram surgindo várias ideias. Produzimos um material pedagógico que trabalhava a imagem positiva da mulher negra. É um produto que tem história e memória afetiva, porque na zona rural é comum as famílias fazerem os remendos”, esclarece ela, ao ressaltar que, após essa ocasião, deu continuidade à produção e de forma mais profissionalizada.
Hoje, esse grupo de mulheres ganhou uma identidade, sendo nomeado “Amor Tecido”. Elas se reúnem em Belém, elaboram e fazem a produção do material, de camisas masculinas e femininas, individualmente, sempre com o foco na mulher negra.
Feira
Na manhã da última terça-feira (7), a Gerência da Região Administrativa de Belém (GRB), vinculada à Diretoria de Gestão e Monitoramento das Unidades de Conservação (DGMUC) do Ideflor-bio, realizou a primeira reunião de procedimentos para nortear a realização da Feira da Biodiversidade. A próxima edição do evento já está com data marcada para ocorrer no dia 18 deste mês, das 7h às 13h, no Parque do Utinga.
Na ocasião da reunião, a presidente do Ideflor-Bio, Karla Bengtson, foi agraciada com uma réplica em miriti da Ararajuba, confeccionada pela artesã Edna Maria da Costa, da Flora do Marajó, e ressaltou os frutos que a iniciativa do Instituto têm gerado entre os seus participantes.
“A gente consegue vislumbrar o que está acontecendo hoje e o que será germinado lá na frente. Agradecemos a todos os que estão aqui desenvolvendo seus produtos com seriedade, comprometimento, trazendo sua contribuição para o nosso Estado e de tudo o que envolve nossos povos. Vocês fazem parte da história do Ideflor”, enfatizou a presidente.