Risco de savanização da Amazônia exige medidas urgentes, indica estudo

Pesquisas desenvolvidas no Brasil e no exterior apontam para a possibilidade de mudanças climáticas extremas submeterem a Floresta Amazônica a um processo de savanização [forest dieback]. Nesse cenário, o ecossistema como é conhecido atualmente daria lugar a campos ralos e árvores esparsas, paisagem semelhante à encontrada nas savanas africanas ou no Cerrado brasileiro.

Tal hipótese, formulada há 20 anos e que indica para a perda da maior floresta tropical do mundo, deveria estar deixando os governos dos nove países amazônicos “de cabelo em pé”. Ocorre, porém, que os cientistas ainda têm várias incertezas acerca dessa projeção. Diante dessas dúvidas, o que é mais indicado fazer: aguardar, adotar medidas mitigadoras ou estabelecer ações de adaptação da população da região (30 milhões de pessoas) que seriam benéficas ambiental e socialmente, mesmo que a previsão não venha a se concretizar? A resposta a estas questões estão num artigo que acaba de ser publicado pelo PNAS, periódico científico editado pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.

O primeiro autor do trabalho é ecólogo David Montenegro Lapola, pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp. Além dele, outros 11 cientistas brasileiros e estrangeiros assinam o artigo, que faz uma revisão sobre os estudos publicados em torno da hipótese de savanização da Floresta Amazônica. “Como existem muitas incertezas acerca dessa possibilidade, nós procuramos responder a uma pergunta objetiva: o que fazer frente a esse risco? Analisamos três alternativas e estimamos os custos socioeconômicos relacionados a cada uma delas”, explica Lapola.

Foto: Divulgação/Unicamp

De acordo com o pesquisador, a alternativa mais exequível é a adoção de ações adaptativas que possam trazer benefícios ambientais e sociais à região amazônica, mesmo que não ocorra o processo de savanização da floresta. “Nós apontamos 20 medidas que seriam importantes nesse sentido, a um custo estimado de US$ 122 bilhões. Entre elas estão o uso de cultivares mais resistentes à situação de seca, o incentivo à produção doméstica de energia por meio do uso de painéis solares e a ampliação da arborização nas áreas urbanas. Também indicamos a necessidade da eliminação do esgoto a céu aberto, como forma de reduzir a proliferação de doenças, e a criação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Amazonas, que teria a atribuição de gerenciar os recursos hídricos da região”, elenca Lapola.

Todas essas providências, pontua o pesquisador do Cepagri-Unicamp, trariam ganhos imediatos e continuariam a ser importantes no caso de o processo de savanização da Amazônia se confirmar. Uma opção à estratégia de adaptação, conforme o ecólogo, seria a adoção de medidas mitigadoras. Dentre elas está a reversão da mudança climática global em curso no planeta – causa da possível savanização da Amazônia -, que seria um processo muito mais complexo e exigiria um esforço global, e não somente dos nove países amazônicos. “Pelas nossas projeções, o custo de um projeto dessa envergadura seria da ordem de US$ 64,2 bilhões. Isso implicaria acabar com o desmatamento e recuperar os 17% ou 18% da floresta que já foram degradados”, afirma.

Foto: Divulgação/Unicamp

Ocorre, continua o cientista, que isso não seria suficiente para assegurar a resiliência da floresta frente às mudanças do clima. “Não basta parar de desmatar e recuperar o que já foi degradado. Se os demais países, principalmente as grandes potências mundiais, continuarem emitindo gases de efeito estufa nos patamares atuais, a floresta continuará exposta ao risco de colapso”, pondera. A pior das alternativas, conforme o estudo publicado pela PNAS, seria não fazer nada e esperar para ver o que acontece. Nesse caso, 30 anos depois de configurada a savanização, os prejuízos alcançariam a cifra de US$ 957 bilhões a US$ 3,5 trilhões.

Permanecer impassível diante de tais projeções, reforça Lapola, seria a pior das decisões. “Vale lembrar que esses cenários foram delineados com base em episódios de secas ocorridos na Amazônia ao longo dos últimos anos, situação que se tornará frequente em caso de savanização. Ou seja, nossas análises estão sustentadas por evidências fartamente documentadas, como as secas de 2005, 2010 e 2016”, diz o pesquisador. Lapola observa, ainda, que o fato de o artigo sobre o estudo ter sido publicado neste momento de transição política no Brasil não foi proposital.

Ele considera, entretanto, que o resultado do trabalho fornece dados importantes para que a sociedade e o futuro governo em âmbito federal reflitam sobre as questões ambientais, que trazem impactos tanto sociais quanto econômicos para o país. “O Brasil precisa decidir que caminho quer adotar em relação a esse problema. A Amazônia é o maior tesouro biológico do mundo e nós estamos correndo sério risco de perdê-la – por causa das mudanças do clima ou pelo corte raso – antes que tenhamos aprendido a usar esse tesouro de maneira sustentável a nosso favor. O estudo fornece bases sólidas para ajudar a orientar a tomada de decisão”, analisa Lapola.

Foto: Divulgação/Unicamp

Boa parte dos dados que subsidiaram o estudo foi produzida pelo AmazonFace, programa financiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O pesquisador do Cepagri-Unicamp é o presidente do Comitê Científico do programa, que investiga os impactos das mudanças climáticas no futuro da Floresta Amazônica.

Entre as missões dos cientistas está predizer se, a despeito da tendência do aumento da concentração de dióxido de carbono (CO²) na atmosfera e do possível agravamento das mudanças climáticas, a floresta será capaz de se mostrar ou não resiliente, ou seja, de resistir a essas situações adversas, mantendo-se produtiva e sem perda significativa de biomassa e biodiversidade.

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

Xote, carimbó e lundu: ritmos regionais mantém força por meio de instituto no Pará

Iniciativa começou a partir da necessidade de trabalhar com os ritmos populares regionais, como o xote bragantino, retumbão, lundu e outros.

Leia também

Publicidade