O roedor habitou a região amazônica há cerca de 10 milhões de anos e vivia em ambientes pantanosos que existiam antes do surgimento de uma das maiores florestas tropicais do mundo.
Pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), da Universidade Federal do Acre (Ufac) e da University of Zurich (UZH) publicaram nesta quarta-feira (12) um estudo que apresenta a reconstrução do cérebro de um roedor gigante pré-histórico, o Neoepiblema acreensis. O animal tinha cerca de um metro e meio de comprimento e pesava em torno de 80 kg, o que ultrapassava a capivara, o maior roedor do mundo da atualidade.
Esse parente das chinchilas e pacaranas habitou a região amazônica há cerca de 10 milhões de anos e vivia em ambientes pantanosos que existiam antes do surgimento de uma das maiores florestas tropicais do mundo.
Durante os períodos Mioceno e Plioceno (entre 10 e 2 milhões), diversas linhagens de roedores sul-americanos atingiram dimensões gigantescas quando comparadas à maioria das espécies atuais (atualmente existem mais de 2.000 espécies de roedores que pesam em média menos de um quilo) – isto é uma característica muito singular do continente, uma vez que roedores são cosmopolitas (ampla distribuição geográfica), mas só no continente eles desenvolveram gigantismo.
Além desses grandes roedores, outros grupos de mamíferos exclusivos da América do Sul e de grandes répteis também viveram durante aquele momento, como é o caso do Purussaurus, que é um crocodiliano que poderia atingir mais de 12 metros de comprimento.
Uma pesquisa desenvolvida durante o doutorado de José Darival Ferreira, no Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia (Cappa) da UFSM, revelou a primeira reconstrução cerebral de um roedor extinto sul-americano feita exclusivamente de forma computadorizada. A pesquisa apresenta novas direções na evolução cerebral de roedores no decorrer do tempo.
Um dos pontos que mais chamou a atenção dos pesquisadores é que, embora Neoepiblema acreensis tenha sido um dos maiores roedores já existentes, o cérebro desse roedor gigante era muito pequeno proporcionalmente a sua massa corpórea. A evolução ao longo do tempo dessa relação entre tamanho cerebral e massa corpórea (ou tamanho do corpo) é conhecida como encefalização. No caso dos roedores sul-americanos atuais, estes apresentam um grau bem maior de encefalização do que os seus parentes gigantes extintos.
Qual seria a explicação para um roedor tão grande com um cérebro tão pequeno?
Cérebros consomem grande parte da energia de um organismo. Se o animal possui um cérebro proporcionalmente grande e com uma grande quantidade de neurônios, isto se torna benéfico para sua sobrevivência. Por exemplo, isso fica bem claro no grupo dos primatas e carnívoros, que possuem cérebros proporcionalmente avantajados, com uma ampla rede neuronal, que trazem benefícios para as estratégias de sobrevivência do animal (como é o caso da elaboração de estratégias na busca de alimento). Por outro lado, se um animal possuir um cérebro grande, mas com uma densidade neuronal mais baixa (que é o caso dos roedores), ele não usufrui dos mesmos benefícios associados, o que implica em um alto consumo energético desnecessário, ainda mais quando associado a uma grande massa corpórea.
Quando o Neoepiblema acreensis habitava a América do Sul, os mamíferos placentários carnívoros (felinos, canídeos, ursídeos) ainda não haviam chegado ao continente, uma vez que o istmo do Panamá ainda não estava formado e já não havia uma conexão terrestre com a Antártida. Logo, a América do Sul estava isolada, como uma ilha gigante. Os principais predadores dos roedores gigantes eram os crocodilianos, que também eram gigantes e habitavam as regiões pantanosas mencionadas acima, e que não eram predadores ativos, tal como são os mamíferos. Assim, as pressões tróficas eram diferentes do que viriam a ser a partir do Plioceno e Pleistoceno, quando o istmo do Panamá foi formado e os grandes carnívoros adentraram o continente durante um evento conhecido como Grande Intercâmbio Biótico Americano (GABI).
De acordo com a interpretação apresentada pelos autores do estudo, na ausência de uma pressão ecológica promovida pelos predadores, não havia necessidade de os roedores gigantes apresentarem cérebros avantajados, uma vez que isso implicaria em um consumo energético desnecessário. Já após o GABI, houve um aumento significativo no grau de encefalização dos roedores. O mesmo padrão tem sido documentado em animais que vivem em ilhas onde não existem mamíferos predadores. Por exemplo, entre os roedores atuais que foram analisados no estudo, os que possuem os menores cérebros proporcionalmente a sua massa corpórea são formas insulares, como é o caso da Hutia (Capromys), um roedor que habita ilhas caribenhas.
O estudo está disponível no periódico científico Biology Letters, publicado pela Royal Society, e conta com a participação de José Darival Ferreira (doutorando da Pós-Graduação em Biodiversidade Animal da UFSM), Leonardo Kerber (Cappa), Francisco Ricardo Negri (Ufac), e Marcelo R. Sánchez-Villagra (University of Zurich). A reconstrução artística do Neoepiblema acreensis e do cérebro ficou a cargo do paleoartista Márcio L. Castro.