O dia em que choveu fogo no céu da Amazônia

Chuva de meteoros atingiu a região do rio Curuçá, no Vale do Javari, em 13 de agosto de 1930

Diversa por natureza, a região amazônica domina o imaginário popular como um lugar repleto de mistérios e incontáveis lendas e mitos. Entre tantas histórias contadas por aqui, está a do evento Curuçá, nome pelo qual ficou conhecida a chuva de meteoros que atingiu a região do rio Curuçá, no Vale do Javari, município de Atalaia do Norte, no Amazonas.

Os relatos de quem presenciou este evento, por volta das 8h30 da manhã daquela quarta-feira, 13 de agosto de 1930, é de que choviam pedras e bolas de fogo no céu daquela isolada área, habitada por indígenas e ribeirinhos. 

Também foram ouvidos estrondos e foi vista uma nuvem de poeira. Até hoje, essa história é contada pelos moradores do Vale do Javari.

Ilustração: Antônio Brás/Portal Amazônia

Os relatos informais, passados de boca a boca, apenas evidenciam que tal evento cósmico realmente aconteceu. Além dos relatos, evidências físicas como a cratera que marca o local de impacto.

De acordo com o astrofísico brasileiro Ramiro de La Reza, do Observatório Nacional, o objeto celeste com energia provável de cinco megatons, conseguiu tocar o solo e, neste caso, quase toda a energia foi utilizada para evaporar o corpo e produzir a escavação. 

Em entrevista ao Portal Amazônia, o especialista afirmou que este foi um dos três maiores fenômenos no século XX, ao lado dos casos de Tunguska, na Sibéria, causado pelo cometa Encke em 3 de junho de 1908, e o de Rupununi, na Guiana Inglesa, causado pelo asteróide 3200 Phaethon (que tem características cometárias) em 11 de dezembro de 1935.

O pesquisador explica que os três eventos aconteceram pelo mesmo motivo. Quando a Terra gira em torno do Sol (de forma eclíptica), ela encontra em seu caminho partículas de cometas, circulando de forma perpendicular. Com a proximidade dos corpos, é possível que pequenas partículas caiam na atmosfera terrestre. No Amazonas, a chuva de meteoros acontece especificamente no dia 12 ou 13 de agosto, todos os anos.

“Acredito que a queda dos bólidos (objetos celestes) foram pedaços do cometa Swift-Tuttle. Conhecido desde a época de Cristo, ele vai girar por centenas de anos até se deteriorar completamente. Mas este tipo de bólido tem épocas marcadas, que podem cair durante os períodos de chuvas de meteoros, ou das Perseídas e é possível vê-los no céu do Amazonas, no oitavo mês do ano”, explicou o pesquisador do Observatório Nacional.

De La Reza liderou uma equipe de pesquisadores para estudar o evento em Atalaia do Norte, popularmente chamado de Tunguska Brasileiro. Em artigo publicado na revista eletrônica de jornalismo científico ComCiência, intitulado ‘O evento do Curuçá: bólidos caem no Amazonas’, o especialista afirmou que o grupo conseguiu localizar o local do impacto em 1997, “graças aos modernos GPSs” e com o apoio da Rede Globo, Televisão ABC da Austrália e Fundação Nacional do Índio (Funai).

Cometa Swift-Tuttle. Foto: Divulgação/Nasa

O astrofísico afirma ainda, que há outras evidências do ocorrido. Um deles é o relato do monge capuchinho Fedele D’Alviano. Em missão religiosa pelo Amazonas, ele descreveu mudança da cor do céu por conta da nuvem de poeira, um tremor de terra e seringueiros apavorados. Outra seria que o Observatório Sismológico San Calixto, em La Paz (Bolívia), também registrou a queda de objetos celestes no mesmo período de tempo dos relatos históricos.

No hemisfério norte é popular a chuva de meteoros Perseidas, cujo máximo ocorre em 11 a 13 de agosto de cada ano. Alguns historiadores consideram que esse fenômeno ajudou muito a popularizar a astronomia nos séculos XIX e XX. Os corpos que causam os meteoros caem na Terra com velocidade da ordem de 59 quilômetros por segundo e parecem vir da constelação de Perseu, que dá o nome a essa chuva. 

A chuva é produzida nessas datas pelo encontro anual da Terra em sua órbita ao redor do Sol, com a órbita do cometa Swift-Tuttle, sendo esta órbita quase perpendicular ao plano da eclíptica.

Os fragmentos que caem na Terra são a matéria deixada pela passagem do cometa. Diferentemente da cauda bem conhecida dos cometas, formada pela sublimação do gelo comentário e cuja direção é sempre oposta ao Sol, estes fragmentos preenchem uma espécie de tubo anular que envolve a órbita desse cometa de período de 120 anos.

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