De adoçante a combustível, novos organismos têm potencial para diversas aplicações biotecnológicas
Homenagens consistem na expressão ou ato público como mostra de admiração e respeito por alguém. Nesse sentido o assassinato do indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips – mortos em junho de 2022 na cidade de Atalaia do Norte (AM), na região da terra indígena Vale do Javari, perto da fronteira com o Peru – , causou uma comoção e indignação em toda comunidade científica nacional e internacional e na sociedade como um todo.
Pesquisadores descobriram duas novas espécies da levedura Spathaspora e decidiram homenagear Dom e Bruno, considerados nomes importantes na causa indígena atual.
Os pesquisadores são do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com colegas da Universidade Federal do Tocantins (UFT) e da University of Western Ontario (Canadá),
As espécies foram encontradas em biomas da Amazônia brasileira e, em homenagem ao indigenista e ao jornalista, receberam o nome de Spathaspora brunopereirae sp. nov. e Spathaspora domphillipsii sp. nov.
Ambas espécies e suas potenciais aplicações foram apresentadas em artigo publicado na revista International Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology.
De acordo com o microbiologista Carlos Augusto Rosa, coordenador do INCT Leveduras e orientador das pesquisas que resultaram no artigo, quatro isolados de espécies de Spathaspora foram recuperados de madeira em decomposição coletada em biomas da Amazônia brasileira.
“Dois deles foram recuperados em diferentes locais da floresta amazônica, no Estado do Pará, e, os outros dois, obtidos de uma região de transição, entre a floresta amazônica e o ecossistema do Cerrado, no Estado de Tocantins”,
afirma.
O sequenciamento e a análise das amostras foram realizados no Laboratório de Taxonomia, Biodiversidade e Biotecnologia de Fungos do ICB. Os testes mostraram que ambas são capazes de converter d-xilose em etanol e também em xilitol, um tipo de adoçante natural que pode ser usado por diabéticos.
“Isso significa que esses microrganismos têm características com diversas aplicações biotecnológicas, entre as quais a produção de xilitol e de combustível”, explica.
A produção de xilitol e bioetanol a partir de xilose, oriunda de resíduos vegetais, por exemplo, requer conhecimento tanto das condições experimentais quanto das enzimas responsáveis pelo metabolismo desse açúcar.
10% da biodiversidade do planeta
Os cientistas destacam o fato de que a Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, representa 40% das florestas tropicais remanescentes e responde por 10% da biodiversidade conhecida do planeta. “Mas, apesar disso, esse bioma continua sofrendo com as mudanças climáticas, desmatamento e queimadas”, salienta Carlos Rosa.
Ele chama a atenção para o fato de que a riquíssima biodiversidade microbiana da região ainda é pouco explorada no Brasil como fonte de inovações biotecnológicas. “Nos trabalhos realizados na região sobre biodiversidade de leveduras, geralmente de 30 a 50% das espécies encontradas destes microrganismoss são novas para a ciência”, informa o professor.
“Daí a importância das pesquisas nessa área e também dos esforços de Bruno e Dom para preservar o bioma da região”,
afirma o professor titular de microbiologia.
Ainda segundo o cientista, nomear as duas novas espécies com os nomes deles “é reconhecer, valorizar e homenagear a dupla pelo trabalho em defesa do meio ambiente”.
O estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e pelo Conselho de Pesquisa em Ciências Naturais e Engenharia do Canadá.
O artigo é assinado por Ana Raquel O. Santos, Gisele F. L. Souza, Katharina O. Barros, Flávia B. M. Alvarenga, Mariana R. Lopes, Láuren M. D. Souza, Luiz H. Rosa, Aristóteles Góes-Neto, Paula B. Morais, Marc-André Lachance, Carlos A. Rosa. A publicação foi realizada em 10 de março na revista International Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology.