Há 18 milhões de anos, megapantanal na Amazônia abrigava animais gigantescos

Lago foi o lar do maior jacaré, do maior crocodiliano gavial e da maior tartaruga, além de roedores do tamanho dos búfalos atuais
 
“Terra de gigantes”. Esta é a melhor definição para o lago Pebas, o megapantanal que existia no oeste da Amazônia durante o Mioceno, período que se estendeu de 23 milhões a 5,3 milhões de anos atrás. Vestígios daquele antigo bioma estão espalhados por mais de 1 milhão de quilômetros quadrados, divididos entre Bolívia, Acre, oeste do Amazonas, Peru, Colômbia e Venezuela.

O Pebas foi o lar do maior jacaré e do maior crocodiliano gavial de que se tem notícia, ambos com mais de 10 metros de comprimento, e da maior das tartarugas, cujo casco media 3,5 metros de diâmetro. Além disso, também abrigava roedores do tamanho dos búfalos atuais.

As datações mais antigas, feitas na Venezuela, dão conta de que o lago Pebas existia há 18 milhões de anos. Entretanto, acreditava-se que o megapantanal teria secado há mais de 10 milhões de anos, antes da reversão do curso do rio Amazonas, que na maior parte do Mioceno corria de leste a oeste, sentido contrário do curso atual. Com o esgotamento do Pebas, os grandes animais desapareceram.
 

Reconstituição artística do réptil aquático Purussaurus Brasiliensis. Foto: Divulgação 

Investigando sedimentos provenientes de dois sítios paleontológicos dos rios Acre e Purus, associados a fósseis de vertebrados, o biólogo Marcos César Bissaro Júnior, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), obteve datações de ao menos 8,5 milhões de anos, com uma margem de erro de 500 mil anos para mais ou para menos.

Há 8,5 milhões de anos, há indícios de que o Amazonas já corria na direção atual, indo dos Andes peruanos em direção ao Atlântico. Àquela altura, o Pebas não deveria lembrar mais o magnífico pântano de outrora. Deveria parecer uma planície inundável, à semelhança do atual Pantanal mato-grossense. Esta é a opinião de Annie Schmaltz Hsiou, professora do Departamento de Biologia da FFCLRP-USP e supervisora do trabalho de Bissaro Júnior, cujos resultados foram publicados na revista Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology.

O estudo contou com apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Participaram pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria, do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade Federal do Acre e da Boise State University, nos Estados Unidos.

Como surgiu e como se esgotou o Pebas

A formação do lago Pebas foi decorrência do soerguimento dos terrenos da protobacia amazônica. Isso se deu em função da elevação dos Andes, que acelerou a partir de 20 milhões de anos atrás. Naquela época, a Amazônia ocidental era banhada pelas bacias do Amazonas (que corria em direção ao Caribe) e do rio Magdalena, na Colômbia. A elevação dos Andes, no que são hoje o Peru e a Colômbia, acabou por interromper o fluxo de água em direção ao Pacífico, que acabou empoçando na altura da Amazônia ocidental, dando origem ao megapântano.
 

Foto: Reprodução 

Mas os Andes continuaram subindo. O contínuo soerguimento dos terrenos da Amazônia teve dois efeitos. O proto-Amazonas, antes represado no lago Pebas, inverteu seu curso, tornando-se o majestoso rio que conhecemos. Ao longo desse processo, as águas do megapântano Pebas foram escoando.

O antigo pantanal viria a se tornar uma planície alagada, repleta de bichos imensos, que ainda existia há 8,5 milhões de anos, segundo as novas datações de Bissaro Júnior. Eventualmente, as irrefreáveis forças geológicas acabaram por escoar as águas do que restava de lagoas e lagos temporários na Amazônia ocidental. Foi o fim do Pebas e de sua fauna.

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“O problema da datação do Pebas sempre foi associar as datações diretamente à fauna de vertebrados. Existem inúmeras datações de rochas onde se acharam fósseis de invertebrados. Mas conseguir datar, no Brasil, rochas com vertebrados era um dos nossos objetivos”, disse Schmaltz Hsiou.

Segundo a professora, as novas datações dão condições de sugerir que o Sistema Pebas, do grande pantanal, teria existido entre 23 milhões e 10 milhões de anos atrás. Esse deu lugar ao chamado Sistema Acre, a grande planície de inundação que existiu entre 10 milhões e 7 milhões de anos atrás, onde ainda viviam répteis como o Purussaurus e o Mourasuchus.

“O Sistema Acre devia ser um bioma semelhante ao da Venezuela da mesma época, formado por lagunas ao redor do delta de um grande rio, que seria o proto-Orinoco”, disse Schmaltz Hsiou.
 

Foto: Reprodução 

Roedores gigantes

Os roedores compõem um grupo de mamíferos extremamente diversificado que habita todos os continentes, com exceção da Antártica. Na Amazônia, o grupo conta com grande número de espécies. “Particularmente, um grupo de roedores conhecido cientificamente como Caviomorpha chegou ao nosso continente há cerca de 41 milhões de anos, vindos da África”, disse outro autor do artigo publicado na Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, Leonardo Kerber, do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia (Cappa) da Universidade Federal de Santa Maria.

“Nesse período, conhecido como Eoceno, a África e a América do Sul já estavam totalmente separadas por pelo menos 1.000 km de extensão entre os pontos mais próximos de ambos continentes, o que inviabilizaria as conexões biogeográficas para que os vertebrados terrestres pudessem migrar entre as duas massas de terra. Entretanto, as correntes oceânicas propiciaram a dispersão por meio de balsas flutuantes naturais formadas por aglomerado de troncos e galhos derrubados em rios por tempestades, que acabam por desembocar no mar. Essas balsas flutuantes eventualmente carregam pequenos vertebrados. Um evento como este pode ter favorecido a travessia de pequenos mamíferos, como os macacos Platyrrhyni e também pequenos roedores que dariam origem a um dos mais emblemáticos grupos de mamíferos sul-americanos, os roedores caviomorfos”, disse.

Segundo Kerber, desde que chegaram ao continente, os roedores caviomorfos passaram por um longo período de evolução o que fez com que se tornassem extremamente diversificados. Atualmente, os representantes desse grupo encontrados no Brasil são as pacas, cutias, preás, porcos-espinhos, ratos-espinhosos e a capivara, o maior roedor do mundo.

“Particularmente na Amazônia, hoje encontramos uma grande diversidade de ratos-espinhosos e porcos-espinhos ou ouriços, além de cutias e pacas. Entretanto, no Mioceno, a fauna da região amazônica era bastante diferente daquela que podemos observar atualmente”, disse Kerber.

Kerber conta que em artigo que será publicado em breve no Journal of Vertebrate Paleontology a espécie Neoepiblema acreensis, um roedor neoepiblemídeo endêmico do Mioceno do Brasil que pesava cerca de 120 quilos, foi reconhecida como uma espécie válida.

“A espécie foi descrita em 1990, mas havia sido considerada inválida ao final da mesma década. Esses registros, tanto das espécies já conhecidas como também das espécies novas, auxiliam a entender como a vida evoluiu naquela região, mostrando como a biodiversidade evoluiu e também se extinguiu ao longo dos últimos milhões de anos”, disse Kerber.

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