A importância do Ano Novo para os povos indígenas

Roupa branca, simpatias e ceia. Esses são itens importantes para muitas pessoas no Réveillon, mas como os indígenas celebram a passagem de ano?

Roupa branca. Ceia. Simpatias. ‘Mega da virada’. Esses são itens importantes para muitas pessoas no Réveillon, festejo que marca a passagem de ano. Porém, em algumas culturas, principalmente, as indígenas, o dia 31 de dezembro é uma data qualquer, sem nenhum tipo de valor afetivo ou crença.

O Portal Amazônia conversou com o antropólogo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Lino João de Oliveira Neves, que explicou qual a importância do Ano Novo para os povos indígenas e, principalmente, a maneira como eles celebram a passagem de ano. Confira o artigo do especialista:

Para falar sobre a importância do Ano Novo para os povos indígenas e a maneira como eles celebram a passagem de ano, antes de tudo é preciso observar dois pontos.

Primeiro, que não existe apenas “um povo indígena“, ou apenas “um indígena“. Na realidade em todo o mundo existem muitos povos indígenas, com culturas muito diferentes entre si. É sempre importante lembrar que ao falarmos em “indígenas” estamos fazendo uma grosseira economia de linguagem, uma generalização superficial que além de acarretar enorme confusão no entendimento sobre os diferentes povos indígenas implica, também, na reprodução de fortes preconceitos e manifestações de discriminação.

Segundo, que em todo o mundo diferentes povos, diferentes culturas, comemoram de maneiras bastante diferentes, esse momento de mudança temporal marcada no calendário gregoriano, que predomina no mundo ocidental moderno pelo final do Ano Velho e a chegada do Ano Novo. O mesmo acontece com os diferentes povos indígenas que vivem no Brasil, que festejam, cada qual conforme os seus hábitos e costumes, a virada de ano, do dia 31 de dezembro para o dia 1º de janeiro do ano seguinte.

Foto: Ascom/MPF

Como os indígenas celebram a passagem de ano?

As expressões socioculturais dos povos indígenas, tanto aquelas que são características de suas etnias, como aquelas adotadas a partir das relações de contato com a sociedade nacional, são marcadas não apenas por elementos particulares de suas culturas originais, mas, principalmente, pela intensidade e frequência das relações de cada grupo indígena com os não indígenas que vivem nas vizinhanças das terras indígenas.

Quanto maior a proximidade dos povos indígenas com as populações regionais, mais fortemente os seus modos de vida e todas as suas manifestações culturais sofrerão influências das expressões da cultura brasileira predominante nas diferentes regiões.

Obviamente, tudo que é dito sobre o cotidiano dos povos e culturas indígenas vale também para as festividades de final de ano. Em outras palavras: quanto maior a influência da população não indígena (que compõem os segmentos das populações regionais no modo dia a dia dos povos indígenas, maior será a influência do mundo do branco na celebração e na concepção dos “indígenas” sobre o significado do Ano Novo.

Assim como existe no Brasil diferentes povos indígenas, também as relações de cada povo com os representantes da sociedade nacional são diferenciadas: mais próximas ou mais distanciadas; mais intensas ou mais esquivas; mais íntimas ou mais superficiais; de maior familiaridade ou maior estranhamento; mais cordiais ou mais evasivas; mais amistosas ou mais hostis; etc..

Foto: Adriano Gambarini/Divulgação

Com o estabelecimento do contato entre a sociedade nacional brasileira e os povos indígenas, e com a decorrente intensificação das relações interétnicas, o que se constata é a adoção pelos grupos indígenas, em maior ou menor índice, de elementos da cultura cristã que, de modo geral, predomina nas festividades de celebração do Ano no mundo contemporâneo globalizado, assim como influências da cultura de massa, indústria do entretenimento e daquilo que se pode chamar de “cultura de consumo” que cercam as comemorações do Ano Novo.

As estimativas atuais indicam que aproximadamente 50% da população indígena no Brasil vive em cidades ou núcleos urbanos interioranos, enquanto outros 50% vivem em terras indígenas, aldeias ou comunidades, afastadas da convivência cotidiana com os não indígenas.

Neste cenário de distribuição populacional, as influências diretas das populações vizinhas sobre os grupos indígenas, somadas às influências do contexto sociocultural mais amplo, moldam as festas de Ano Novo dos diferentes grupos indígenas no Brasil, havendo desde aqueles que promovem celebrações familiares ou mesmo comunitárias para a troca de votos de Feliz Ano Novo e presentes e/ou bens de consumo, até aqueles que não fazem nenhum tipo de celebração especial, uma vez que para muitos dos povos indígenas essa data de Ano Novo não tem qualquer significado, seja religioso, ou cultural, ou econômico, ou social.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Datas diferenciadas

Celebrado por muitas tradições culturais, em diferentes partes do mundo, e em diferentes datas, o Ano Novo tem para todas as etnias o mesmo sentido figurado de renovação, marcando o início de um novo período de tempo e um novo ciclo de esperança de vida renovada.

Utilizada para assinalar a passagem do dia 31 de dezembro para o dia 1º de janeiro, a palavra ‘réveillon’, originária da língua francesa, significa “acordar” ou “reanimar”. Assim, réveillon empresta às celebrações de Ano Novo o significado de despertar para um novo ano, de reviver para um novo ciclo, de renovar as esperanças para o novo tempo que se abre ao deixar para trás o Ano Velho com tudo de indesejado, desagradável e triste que tenha ocorrido.

Um significado que é comum às diferentes celebrações de muitas etnias, em diferentes datas.

Foto: Heitor Reali/Iphan

Ano Novo Guarani

Entre os povos indígenas no Brasil, a passagem de Ano Novo é celebrada, por exemplo, pelos Guarani Mbya, povo que vive em extensa faixa da terras entre os Estados do Espírito Santo e do Rio Grande do Sul e também no Mato Grosso do Sul, presentes também na Argentina, Paraguai e Bolívia.

Para os Guarani, o final do mês de agosto assinala a chegada do final do ano, quando o Ara Yamã – Ano Velho – cede lugar ao Ara Pyau – Ano Novo – com as suas promessa de renovação no ciclo da vida.

A chegada do Ano Novo Guarani coincide com a chegada da primavera, o tempo ideal para os plantios, sempre acompanhados de rituais de agradecimento e práticas evocando a prosperidade, celebrando a concepção mítica do tempo originário conservada viva na memória de cada indivíduo desse povo.

Ano Novo andino

Na Cordilheira dos Andes, na América do Sul, o dia 21 de junho, que assinala o solstício de inverno no hemisfério sul, marca a chegada do o Inti Raymi, o Ano Novo Andino.

Comemorado no Equador, no Peru, na Bolívia e por alguns povos da Amazônia, o calendário andino dita o ritmo das atividades agrícolas e religiosas entre os povos herdeiros das tradições do antigo Império Inca.

O calendário inca considera que as terras de Abya Yala, hoje chamadas de América, já eram ocupadas cinco milênios antes da chegada de Cristóvão Colombo, em 1492. Assim, para este ano assinalado no calendário gregoriano como 2021, estamos, segundo o calendário inca, no ano 5529.

Foto: Diego Oliveira/Portal Amazônia

Alimentação

De maneira geral não há alimentos específicos para as celebrações de Ano Novo, até mesmo porque e data não diz nada de especial para a maior parte dos povos indígenas no Brasil.

A maioria das comunidades indígenas que comemoram o Ano Novo consomem a sua alimentação costumeira, itens de suas culinárias tradicionais e itens alimentares já incorporados a partir das relações de contato com o mundo “do branco”.

Apenas em algumas famílias indígenas que moram em núcleos urbanos, próximas da população não indígena, talvez incorporem alimentos como Tender, Chester, panetone, refrigerantes etc. em suas ceias. Mesmo nestes casos, essa é uma situação de pouco ou mesmo nenhum significado social.

No geral, o Ano Novo é percebido pelos “indígenas” como uma continuidade das festas de Natal, que em seu conjunto têm um sentido muito mais de ordem social – com trocas de presentes e como oportunidade para visitas entre parentes para partilhar ceias comunitárias -, do que religioso, como frequentemente ocorre entre as famílias das sociedades modernas influenciadas pelo modo de vida europeu.

Por tudo que foi dito, conforme o antropólogo explica, ao invés de falar que os “indígenas” no Brasil “celebram” o Ano Novo, o mais correto é falar que algumas pessoas, de certos grupos indígenas, festejam, e quando muito comemoram, essa data do calendário civil que marca a passagem do ano que no mundo moderno influenciado pela indústria de consumo e pelo cristianismo é chamada de Ano Novo, ou Réveillon, a partir da incorporação pelos falantes da língua portuguesa desse termo de origem francesa. 

Conheça outras celebrações do Ano Novo pelo mundo

Ano Novo chinês

O Ano Novo Chinês é celebrado na primeira lua nova que ocorre entre 21 de janeiro e 20 de fevereiro, correspondente ao calendário gregoriano.

O calendário lunar chinês toma como base as fases da Lua, diferente do calendário solar gregoriano, sincronizado pelas estações do ano, que predomina no mundo ocidental moderno.

Contudo, o calendário gregoriano também é utilizado pelos chineses, principalmente para as questões comerciais, enquanto o calendário lunar é mantido para as tradições e comemorações locais.

Ano Novo judaico

O Ano Novo Judaico, chamado de Rosh Hashaná, que em hebraico quer dizer “cabeça do ano”, uma referência à importância da cabeça, do cérebro, para a existência humana. Celebrado pelos judeus em todas as partes do mundo, o Rosh Hashaná é comemorado sempre nos dois primeiros dias de setembro, o primeiro mês do calendário judaico.

Na tradição judaica, o Rosh Hashaná corresponde ao “Dia da Lembrança”, que marca um período de dez dias dedicados à reflexão íntima e à meditação, período dedicado a se fazer um balanço do ano que ficou para trás, do que foi alcançado, do que não se realizou, de autocrítica existencial, de como se agiu e como se poderia ter agido.

É um período em que as pessoas avaliam seus erros, se redimem de seus pecados e de planejamentos para um futuro melhor. Esse ano de 2021, no calendário gregoriano, corresponde ao Ano 5782 do calendário judaico.

Ano Novo islâmico

O calendário islâmico, ou muçulmano, ou calendário Hegírico, como é chamado, é um calendário lunar cuja contagem de tempo começa no Ano da Hégira, a fuga do profeta Maomé de Meca para Medina, onde criaram a primeira comunidade islâmica, em 622 do calendário gregoriano.

O Al Hijiri, como é chamado o Ano Novo para o mundo islâmico, varia constantemente em relação ao calendário solar gregoriano. O dia 9 de agosto de 2021 marca o começo do ano islâmico de 1442, celebrado quando após o pôr-do-sol surge, pela primeira vez no céu, primeiro crescente visível da Lua. A notação utilizada para o atual ano islâmico é 1442 AH (Anno Hegirae, do latim, ou “Ano da Hégira”).

O Ano Novo islâmico é celebrado com feriado em todos os países de maioria islâmica. Ao contrário do que ocorre no mundo ocidental onde o Ano Novo é comemorado com festas públicas, o Al Hijiri é uma celebração mais introspectiva, restrita à família, marcada por um período de jejum e reflexão.

Ano Novo tailandês

O Songkran, é a maior festa em comemoração ao Ano Novo Tailandês, com festividades públicas que duram pelo menos três dias, podendo se alongar por toda uma semana.

A palavra Songkran, de origem no sânscrito, significa ‘a passagem do sol por cada um dos signos do zodíaco’, o que equivale dizer que cada ano solar compreende 12 Songkrans.

As comemorações estão ligadas também ao calendário lunar. Contudo, a passagem do Ano Novo tailandês é comemorada no signo de Áries, entre os dias 13 e 15 de abril, marcando o começo do Ano Novo solar, Suriyakati, considerado como calendário oficial e predominante na Tailândia desde 1888, enquanto o calendário ocidental gregoriano é usado ocasionalmente em transações bancárias e em negócios no geral.

Além do Ano Novo ser comemorado em outra data, também a contagem dos anos segue a tradição budista, considerando o ano 543 da antes da era cristã, que corresponde à morte do Buda Guatama, o início do calendário tailandês. Isso significa que o mês de abril de 2021 marcou a entrada do ano 2564 no calendário tailandês. 

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