Baile del Muñeco: as relações sociais dos povos da Amazônia Colombiana em bailes de máscaras

Antropóloga colombiana pesquisou o papel da dança e das máscaras em processos de aliança e cura para os povos da região do Baixo Caquetá, no chamado Baile del Muñeco.

“Um baile dos antigos. Tão antigo como as primeiras pessoas na Terra”.

É desta forma que povos indígenas da Amazônia Colombiana se referem ao Baile del Muñeco, também chamado de Baile dos Espíritos. Praticado na fronteira entre a Colômbia e o Brasil, El Baile del Muñeco é uma das danças mais conhecidas da região – que abarca o curso do Rio Caquetá e seus afluentes Mirití-Paraná, Cahuinarí e Apaporis. 

A dança e a utilização de máscaras no baile foram os objetos de pesquisa da antropóloga colombiana Milena Suárez Mojica. Durante seu mestrado, defendido na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, ela visitou e descreveu a relação do baile com o calendário ecológico dos grupos que habitam a região.

“A partir do momento em que os homens vestem as máscaras, feitas com os brotos de miriti, eles deixam de ser considerados seres humanos”, explica Milena Suárez. Imagens: Peabody Museum of Archaeology and Ethnology/Harvard

Na época da colheita da pupunha (Bactris gasipaes), entre os meses de janeiro e março, ocorre uma movimentação geral nas malocas dos rios deste território, devido à realização da dança. Os moradores das diversas aldeias e malocas participam ativamente das atividades convocadas pelos donos das malocas, que variam de acordo com a maloca ser a anfitriã ou a convidada. A dança permeia o cotidiano dos habitantes desta região e é um tema recorrente nas conversas noturnas dos homens, nas cozinhas das casas, no trabalho nas roças, nos dias de caça ou pesca e, até mesmo, no centro povoado de La Pedrera.

“A primeira vez que cheguei a La Pedrera, que é o povoado mais próximo das aldeias indígenas, do Baixo Caquetá, eu estava acompanhando grupos de professores e estudantes que tinham interesse nas danças, e conheci o Baile del Muñeco. Participei daquelas em que eu podia ingressar e vi que há uma enorme quantidade de danças nessa região sobre as quais não há uma etnografia”,

conta a pesquisadora.

“Falando com os xamãs, os sabedores da região, eles diziam o quanto isso era importante para eles, que faz parte de seu cotidiano”, diz. 

O Baile del Muñeco é a única dança que contempla o uso de máscaras na região, desempenhando um papel central na vida dos habitantes, na estruturação do tempo e nas relações sociais com os vizinhos. Por ser um acontecimento partilhado por diferentes grupos, o baile é classificado como uma dança multiétnica. Sua origem remonta ao mundo subaquático, aos peixes e à negociação que se fez para trazê-la ao plano dos humanos. A cerimônia foi registrada pelo botânico Richard Evans Schultes, um dos primeiros ocidentais a observar a dança sagrada na década de 1950.

De acordo com Milena, o baile permite a reunião de parentes e afins, propicia intercâmbios entre as aldeias e é indispensável para o que chamam de manejo e cura do mundo – uma forma de manutenção de relações harmoniosas entre os diversos habitantes do Cosmos e uma busca constante por saúde e bem-estar.

Baile del Muñeco 

Quando: A dança é feita apenas na época da colheita da pupunha, entre janeiro e abril

Quem: É uma dança multiétnica, que reúne diferentes povos indígenas, como Yucuna, Makuna, Tanimuka, Letuama e Miraña

Onde: A dança ocorre na região do Baixo Caquetá, na Amazônia Colombiana, dentro de malocas – um tipo de cabana comunitária dividida internamente em ocas familiares

Como: Existe grande preparação para realizar a dança. Os anfitriões obtêm e preparam todos os alimentos que serão usados na dança. Convidados não devem sentir fome nem sede. Também não pode faltar o ipadu, pó feito de folhas de coca torradas e misturadas com as cinzas de outras espécies vegetais e que é responsável por fornecer energia para o canto e a dança. Após os preparativos e com o uso de máscaras, os povos indígenas se reúnem perto dos rios para realizar a dança e o canto do Baile del Muñeco

Máscaras de morte e proteção

Apesar de frequentar a Amazônia Colombiana desde 2016, Milena não pôde fazer um trabalho de campo muito extenso, já que sua pesquisa coincidiu com a pandemia de covid-19. “Lá na Pedrera não tem UTI, era um sistema de saúde bem precário, então era perigoso para todos”, conta. A pesquisadora optou por fazer uma revisão bibliográfica do que já havia sido documentado sobre o baile, o que, para ela, abriu um novo panorama de abordagem. “Pensamos na questão das danças de máscaras e nas possíveis conexões com outras danças, como é o caso do ritual funerário dos [povos] Cubeo”, explica.

Seguindo o curso das águas até o Alto do Rio Negro, Milena encontrou elementos parecidos com o Baile del Muñeco – como a pupunha – e outras danças de máscaras nas regiões vizinhas, comuns aos grupos Arawak, Tukano e Nadahup. Durante sua estada na cidade de Leticia, na Colômbia, a pesquisadora foi guiada por Elías Yukuna, “um grande conhecedor de histórias e narrações”. Ele contou que, antigamente, usavam máscaras semelhantes às do Baile del Muñeco nas danças para passar o luto, mas com o tempo as máscaras e seus cantos foram esquecidos.

“Esse ritual funerário já não é mais feito, entre outras coisas, por causa da ação dos missionários na região”. Outro motivo seria o risco de uma execução malfeita da dança de luto, o que poderia ocasionar uma maldição para a maloca. 

A região do Baixo Caquetá, onde a dança ocorre, fica nas proximidades de rios como o Japurá, o Apaporis, o Cahuinarí e o Miriti-Paraná. Foto: Neil Palmer/CIAT e mapa de Milena Suárez

Já nas cercanias do Rio Solimões, a pesquisadora descreveu outra dança utilizada pelos Ticuna para marcar a puberdade feminina e o confinamento durante o Ritual da Moça. Em sua dissertação, Milena explica que na primeira menstruação, as jovens ficam confinadas em suas casas, afastadas da comunidade e de suas atividades diárias, só podendo ter contato com algumas mulheres mais velhas. Durante a reclusão, aprendem a fiar e tecer tucum, além de serem aconselhadas sobre como deve ser conduzida a vida adulta.

“É um ritual de iniciação feminino. Enquanto as worecü, como são chamadas as jovens, permanecem isoladas, sua família começa os preparativos para a festa”,

conta Milena.

A festa dura vários dias e é marcada por cantos e danças, além de máscaras e grafismos. O confinamento da moça é uma forma de proteção aos ataques de bichos e de imortais, causadores de doenças e responsáveis pelo desaparecimento de pessoas nas florestas.

“É essencial reconhecer a importância que essas práticas têm na vida das pessoas, a riqueza desses conhecimentos, desses processos próprios de se relacionar com o mundo, de quanto eles são valiosos e importantes. Também é essencial reconhecermos a responsabilidade que nós temos em nosso trabalho e nessas atividades que fazemos de tentar abordar de alguma forma esse processo das lutas deles”, destaca Milena. 

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Jornal da USP, escrito por Tabita Said, com texto de Thais Morimoto e informações da FFLCH/USP

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