Mão branca: O grupo de extermínio que veio à Manaus para fazer justiça com as próprias mãos

De acordo com a sua carta, os justiceiros passariam 30 dias para cumprir a sua lista com 77 nomes marcados para executar

Em 1980, o país teve suas atenções voltadas para uma série de assassinatos que aconteceram na cidade de Campina Grande, interior da Paraíba. Estima-se que, entre janeiro e junho daquele anos, 59 pessoas foram mortas e todas possuíam um detalhe em comum: elas tinham marcas parecidas na forma como foram mortas, uma espécie de marca registrada.

Tudo começou com o assassinato de Carlos Roberto Alves, um conhecido marginal da época, e continuaram ao longo dos meses. Em geral, as vítimas eram pequenos delinquentes locais que já haviam sido presos e detentos que desapareciam misteriosamente das celas ou ex-presidiários que já haviam cumprido a sua pena.

As marcas deixadas nos cadáveres tinham um padrão: os corpos eram crivados de balas de diversos calibres, com sinais evidentes de tortura, abandonados em locais desertos pela cidade. Cada qual apresentando particularidades que indicavam certo caráter simbólico ou alegórico no ritual que envolvia o ato de matar. Por exemplo, os que haviam sido ladrões eram encontrados com as mãos mutiladas e os que tinham fama de falastrões ou delatores com tiros na boca. 

Foto: Reprodução

Suas vítimas eram pessoas que tinham algum envolvimento criminal. Ele se declarava como defensor de órfãos, viúvas e inocentes, onde não acreditava que estava fazendo crime, mas justiça.

Entretanto, a lenda do ‘Mão Branca’ não aconteceu somente em Campina Grande. No final da década de 60, em São Paulo, um grupo conhecido como ‘Esquadrão da Morte’ passou a atuar na cidade, onde também havia o ‘Mão Branca’ na baixada fluminense (RJ).

O jornal carioca ‘Última Hora’ estampava sempre nas primeiras páginas, várias listas fictícias de futuros “defuntos”, tendo como fonte esse ‘Mão Branca’. No Rio de Janeiro, foi criada uma música em homenagem ao serial killer, interpretada por Gerson King Combo.

Passagem pelo Norte

Em Manaus (AM), o chamado “justiceiro” encaminhou uma carta para um dos principais jornais da época. O Jornal A Notícia, publicou em 16 de março de 1980, uma manchete que informava a sua chegada.

De acordo com a notícia, ‘Mão Branca’ teria encaminhado uma carta informando que chegaria à cidade no mês de abril, para se vingar dos crimes que aconteceram. Segundo a carta, o intitulado ‘Mão Branca’ era uma organização de justiceiros que estariam investigando durante três meses algumas mortes que ocorrem na cidade e foram acobertados pela polícia da época.

Foto: Reprodução / Instituto Durango Duarte

Uma lista com 77 suspeitos foi criada pela organização, que estavam “marcados para morrer”. A matéria também noticiava que ‘Mão Branca’ havia telefonado pessoalmente à redação do jornal para informar a sua transferência do Rio de Janeiro para Manaus.

Em 17 de abril de 1980, o mesmo jornal publicou em sua manchete, uma mala com o símbolo do justiceiro, que foi encontrada dentro de um carro na porta de um hotel. Dentro, havia várias armas de diferentes calibres. 

Foto: Reprodução / Instituto Durango Duarte

As primeiras investigações foram a partir de denúncias de parentes das vítimas e conduzidas pela Comissão Diocesana de Justiça e Paz (que resultaram em um relatório jurídico e jornalístico), em Campina Grande, onde apontaram para a existência de um grupo de extermínio, formado nos quadros da polícia, atuando nos através da prática do chamado “justiçamento privado”. O que já se era considerado, uma vez que a ação dos chamados esquadrões da morte eram compostos quase que exclusivamente por policiais e já estava disseminada por todo o país. A existência desses grupos, organizados para matar, era conhecida pela maior parte da população brasileira.

Diante da pressão de setores da sociedade civil, da opinião pública nacional e até mesmo do então presidente Ernesto Geisel que temia a propagação de grupos ou “polícias paralelas” em todo o território nacional, o governador do Estado da Paraíba, Tarcísio Burity, tomou medidas para apurar essa onda de assassinatos. Após um processo investigativo, chegou-se aos nomes de cinco homens, acusados de participarem do grupo de extermínio Mão Branca. 

O detalhe mais significativo revelado pela investigação confirmou o que já havia sido apurado pelo trabalho da Comissão Diocesana de Justiça e Paz: os cinco suspeitos pertenciam à polícia civil campinense e, entre eles, estava o chefe e supervisor da entidade Cícero Tomé de Sousa (apontado como líder do grupo).

Entretanto, o julgamento dos cinco acusados foi surpreendente. Os supostos assassinos contavam com uma ampla rede de proteção nos altos escalões da polícia e da política estaduais. 

Quando finalmente foram julgados, em 1982, apesar das provas, que além dos assassinatos incriminavam os réus em diversos outros delitos, quatro foram absolvidos e apenas o investigador Zezé Basílio foi condenado a mais de cem anos de prisão. Mas o ponto mais importante do julgamento foi o seguinte: concluiu-se que o grupo de extermínio ‘Mão Branca’ nunca teria existido. 

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