Na época, o bombeiro Pedro de Almeida escalou o prédio para salvar vítimas e precisou de atendimento por ter inalado muita fumaça.
Incêndio atingiu a sede da Aleac no Centro de Rio Branco em 1992. Foto: Reprodução/Arquivo Bombeiros AC
Era por volta das 15h quando os bombeiros foram acionados, literalmente, por um sinal de fogo na capital acreana, Rio Branco. As chamas que já formavam uma forte fumaça preta no céu da cidade eram na Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) em 30 de abril de 1992, quando a capital registrou um de seus maiores incêndios.
Quem se lembra bem daquele dia é a servidora Auricelia Soares, hoje com 61 anos. Ela trabalha na Aleac há 38 anos e diz que naquele dia havia chegado na sede por volta das 13h e os colegas já se queixavam do cheiro forte de queimado no prédio.
“Algumas pessoas estavam falando que estavam sentindo aquele cheiro de queimado, quando foi às 14h já estava bem mais forte. Todo mundo reclamando do cheiro de queimado, entrei na sala e uma colega disse que estava muito forte, quando abri a porta para ir ao banheiro, achava que era algo no banheiro, ouvimos como se fosse uma explosão, só escutei isso. Foi aquela explosão”,
relembra.
Rapidamente fogo tomou conta do prédio da Aleac em abril de 1992. Foto: Reprodução/Arquivo Bombeiros AC
Auricelia e os colegas estavam no segundo andar do prédio e, logo após o barulho da explosão, ela conta que rapidamente as chamas se espalharam: “Quando explodiu, já veio com fogo e tudo. Alguém do terceiro andar mandou a gente subir, mas eu disse para a minha amiga que era melhor a gente descer. Molhamos camisas dos homens para colocarmos no nariz para não inalar muita fumaça”.
Na descida, ela conta que encontrou uma outra servidora da casa e que ajudou a tirá-la do prédio. Uma das colegas, segundo ela, estava machucada porque as vidraças haviam estourado e atingido a perna dela. A correria e o pânico tomavam conta dos corredores da Aleac, além, claro do fogo.
“Na época, a gente ficou bem assustado porque foi um momento de terror. E nunca a gestão da Casa na época, nos procurou para dar apoio, ficou por isso mesmo. Mudamos para um outro prédio para que fosse feita a reforma e só entraram em contato quando foi pra gente voltar a trabalhar”, relembra.
“Parecia coisa de filme”
O tenente da reserva Pedro de Almeida era cabo do Corpo de Bombeiros em 1992. Ele disse que no dia da ocorrência estava de folga, porém acompanhava um treinamento de mergulho no comando. Foi quando, pelo céu, houve o aviso da ocorrência.
“Da piscina olhei e vi que estava tendo fumaça. Começaram a pedir para quem tivesse no quartel fosse para a ocorrência porque tinha pessoas no telhado. Fui vestindo minha farda no caminho, quando cheguei lá um dos militares disse que eu era um dos qualificados para subir no prédio, tirou minha bota, fizemos a cadeira e escalamos a Aleac”,
conta.
Sem cordas e sem equipamentos individuais de segurança, Almeida começou a escalar o prédio com as próprias mãos, com o único objetivo de salvar quem pedia socorro do telhado da Aleac. Logo em seguida, Carlos Batista, atualmente coronel, também começou a ajudá-lo no resgate.
No telhado estavam duas mulheres e um homem. Ao achar, orientado por uma das vítimas, pontos para amarrar as cordas, as duas mulheres começaram a descer por elas. A memória é tão vívida que ele dita sem pestanejar o nome das três pessoas que ajudou a salvar.
“Maria José, Francisberto e Nazaré. E a Maria José ainda estava grávida, mas não perdeu o filho. O Francisberto desceu pela escada, mas as duas mulheres desceram pela corda. Pelo tempo, a gente pode estimar o salvamento em uma hora ou menos, porque o difícil foi subir, fazer as três amarrações e descer. Quando chegou minha vez de descer, meus braços não conseguiam fazer a amarração, parece que eu tinha entrado em estado de choque. Voltei, fiz tudo de novo e comecei a fazer tudo devagar. O pessoal do Exército disse que parecia coisa de filme, logo que desci, disseram que as cordas caíram queimadas. Eu nem me lembro”, conta.
Almeida foi o primeiro a escalar o prédio da Aleac para salvar as pessoas que estavam no telhado. Foto: Pedro de Almeida/Arquivo pessoal
O lapso na memória de Almeida é justificável. Um cabo, um militar novo que tinha em suas mãos, literalmente, a missão de salvar vidas, assim como assume ao fazer o juramento do Corpo de Bombeiros. Depois de usar as mãos para escalar o prédio, ele precisou de atendimento médico por ter inalado muita fumaça.
“Fiquei no oxigênio e em março do ano passado tive problemas graves no pulmão. Os médicos disseram que eu tinha pulmão de fumante, sendo que nunca fumei na vida”, conta.
Bravura dos bombeiros
Atualmente, o tenente-coronel Cláudio Falcão está à frente da Defesa Civil Municipal, mas também foi um dos combatentes do maior incêndio já registrado na capital. Segundo ele, mesmo diante da falta de estrutura e condições da época, a atuação dos bombeiros foi de verdadeiros heróis.
“Quando chegamos, o prédio já estava em chamas e a nossa sorte, e de todo mundo, é que nesse horário já tinha encerrado o expediente da Aleac. O fogo começou na metade da assembleia, então as três pessoas que estavam no terceiro andar não tiveram condições de descer a escada e não tínhamos como subir por dentro do prédio e eles foram para o telhado”, relembra.
Ele conta que tudo era muito precário, desde mangueiras furadas, até falta de equipamentos básicos de salvamento: “A gente pegou material emprestado da Eletroacre, escada principalmente, o pessoal chamou e pedimos outros apoios. Foi um desastre muito grande e a Eletroacre chegou lá e fomos emendando uma escada em outra. Era tudo muito precário”.
O controle do fogo durou cerca de 2 a 3 horas, segundo o militar. Porém, o trabalho continuou ainda no outro dia para as ações de rescaldo e outras medidas de segurança.
“Foi uma ocorrência que merece destaque na parte dos bombeiros pela bravura, porque a gente foi com a cara e coragem mesmo. A gente não tinha material, mas com muita determinação a gente conseguiu evitar mortes”,
finaliza.
Em 2019, inclusive, os bombeiros fizeram uma simulação do incêndio no prédio da Aleac. Dessa vez usando todos os equipamentos e com outra estrutura. A ação relembrou aquele fatídico dia de 1992, demostrando como seria diferente com a estrutura e condições que os bombeiros têm atualmente.
Em 2019, bombeiros fizeram a simulação do incêndio de 1992 na Aleac. Foto: Neto Lucena/Secom-AC
Causas
Na época, houve muitas especulações, já que a Aleac investigava supostas irregularidades no processo de construção do Canal da Maternidade, hoje Parque da Maternidade, em Rio Branco.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) investigava o processo licitatório e o valor da obra, que teria sido feita pela construtora Odebrecht, famosa posteriormente pelas investigações da Operação Lava-Jato.
Porém, o laudo dos bombeiros é de que o fogo se iniciou por causa de uma sobrecarga nos condicionadores de ar na assembleia. Segundo o documento, havia muitos aparelhos para pouca fiação. Durante a reforma, os trabalhos da Aleac passaram a ser realizados na sede da Fundação Cultural, até que houvesse uma restauração da estrutura incendiada.
*Por Tácita Muniz, do g1 Acre