Acre: a força das mulheres pescadoras do Juruá

A profissão, tradicionalmente dominada por homens, tem uma parcela significativa da presença feminina entre os associados da Colônia de Pescadores de Cruzeiro do Sul

“Desde que me entendo por gente.” Essa é a resposta mais comum quando uma pescadora artesanal da bacia hidrográfica do rio Juruá é questionada sobre sua relação com um dos ofícios mais antigos da humanidade. Nos confins amazônicos, a pesca é uma prática que vem sendo passada de geração em geração, mantendo os costumes dos antepassados e aperfeiçoando-os com o avanço da tecnologia.

A profissão, tradicionalmente dominada por homens, tem uma parcela significativa da presença feminina entre os associados da Colônia de Pescadores de Cruzeiro do Sul. Entre os seus 1,5 mil membros, 40% são mulheres. E, desse montante, cerca de 300 delas pegam suas embarcações e vão em busca do pescado que lhes garante o sustento do dia a dia.

É o caso de Tatiana do Carmo Queiroz. A mulher de 39 anos de idade herdou a profissão da mãe. Seja sob o forte calor do sol ou durante a escuridão da noite, a disposição para pegar peixes é a mesma. Se bem que nos últimos dias, os cardumes praticamente desapareceram das águas turvas do Juruá, o quinto maior curso d’água do Brasil.

Foto: Divulgação

“O que eu gosto mesmo de fazer é pescar. Não importa onde o peixe está, eu estou indo atrás. E comigo não tem hora. Onde tem peixe, de dia ou de noite, eu estou dentro do rio. Já passei três semanas longe de casa trabalhando. Quando me junto com outras parceiras, a gente desce esse rio e voltamos com o barco lotado de peixe”, conta.

Uma dessas empreitadas Tatiana não esquece jamais. Em apenas um dia, chegou a faturar R$ 1 mil. Ela assegura que essa história não é de pescadora. “Eu e outra colega pescadora tivemos a sorte de pegar tanto peixe que quase não demos conta. Mas, no final, acabou tudo dando certo e a gente rachou meio a meio a venda que fizemos”, lembra.

Muitas vezes, ela trabalha sozinha. É a própria Tatiana que conduz o pequeno barco e lança sua rede nas águas quase que atravessando as duas margens do Juruá. Uma tarefa que nem todos encaram devido à dificuldade na execução simultânea dos procedimentos. Mesmo assim, a pescadora diz que sofre preconceito por parte de homens que exercem a profissão. Quando isso acontece, ela sabe muito bem como sair deste tipo de situação.

Foto: Divulgação

“Como sou bastante conhecida, a maioria me respeita. Mas ainda tem aqueles que ficam desconfiados. Nesse caso, eu já vou logo falando que eu sou muito mais mulher do que ele, que é homem e não consegue fazer o que eu faço. Eu faço praticamente tudo, enquanto muitos deles não conseguem”, enfatizou.

Atualmente, a tecnologia é uma grande aliada da pescadora. Com um simples telefonema ou envio de mensagens, é possível fazer a troca de informações em relação aos pontos onde há maior concentração das 86 espécies de peixes catalogadas no rio Juruá. “Agora ficou bem mais fácil. Onde tem sinal de celular, a gente vai se falando dos lugares onde tem peixe ou onde os cardumes estão passando. Isso nos ajuda muito por aqui”, argumentou.

A mulher que há 58 anos é pescadora no rio Juruá

No alto dos seus 65 anos de idade, Leuda de Araújo é mais uma brava pescadora do Juruá. Ela aprendeu o ofício ao lado de uma das pessoas que mais amou na vida. As lembranças de como tudo começou ainda continuam vivas na memória.

“Eu aprendi com minha mãe quando eu tinha sete anos de idade. Lembro que a gente pegava muito peixe e não me esqueço das esporadas que os mandins me davam. Eu gosto demais de ser pescadora. Esse foi o modo que os meus pais me criaram e eu gosto muito. Se eu pudesse, eu vinha todo dia. É um trabalho de muita paciência e difícil, também. A gente sofre muito por essas beiras de rio, mas é um sofrimento que a gente gosta”, relata.

Foto: Divulgação

Experiência é o que não falta no currículo dela. Afinal, são 58 anos pescando as mais diversas espécies de peixes e enfrentando todos os tipos de adversidades nos rios, igarapés e lagos na região do Juruá. Todo esse esforço tem um motivo: garantir o sustento da família. “Criamos meus cinco filhos só da pesca e, agora, estamos criando os meus netos”, conta.

Quem acompanha boa parte dessa trajetória é Davi Lopes. Casados há 42 anos, os dois têm muitas histórias para contar por tudo que viveram e ainda vivem juntos. O marido afirma que não é qualquer homem que tem a sorte grande de encontrar uma esposa aguerrida e que não foge do trabalho. “A gente nunca teve emprego fixo e é muito bom poder contar com uma companheira assim. Trabalha de dia e de noite, sem reclamar do serviço. É cuidadosa comigo e com os filhos. Quero dizer que ela dá conta do recado e boto fé nela”, disse ele.

Por enquanto, parar de pescar não está nos planos dela. Quando perguntada sobre o dia em que pretende se aposentar, Leuda é categórica: “Eu só vou parar de pescar quando eu não aguentar mais. Esse é um lugar que eu me sinto muito bem. Toda vida eu gostei disso aqui e, acredita, quando eu fico uns dois ou três dias em casa parece que eu adoeço, sabe? Eu adoeço e fico ruim. Aí, quando eu venho para a beira do rio eu não sinto nada, nada e fico uma pessoa tão sadia…”, declara.

Foto: Divulgação

Elinete, a segunda mulher a presidir a maior Colônia de Pescadores do Acre

A atual presidente da Colônia de Pescadores de Cruzeiro do Sul assumiu o cargo este ano e já fez história. Desde a sua criação, há 43 anos, Elinete de Souza é a segunda mulher a comandar o maior sindicato de pescadores do Acre. Além de representar a ala feminina, ela tem a missão de dar continuidade às conquistas adquiridas pela categoria e administrar a entidade em meio à pandemia de Covid-19.

“Tenho orgulho não só de mim, mas também das outras mulheres pescadoras. Hoje, estou à frente da colônia representando todas elas e isso é uma grande responsabilidade. Tenho procurado fazer o meu melhor porque eu conheço a realidade e sei o quanto elas e todos os associados precisam da nossa ajuda”, pontua.

A representatividade feminina é uma das marcas da atual diretoria da Colônia de Pescadores de Cruzeiro do Sul. Dos 12 cargos de diretoria, 5 são ocupados por mulheres, que têm direito de voz e voto na discussão dos assuntos mais importantes do sindicato.

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