Quando meditamos na grandeza da obra humana, estruturada na honestidade e no trabalho, encontramos a figura de José da Silva Azevedo. Ele faz parte da linhagem de nomes importantes da nossa história que deixaram seus legados. Homem de vida simples e, muitas vezes, heroica, pois, quando começamos a levantar o seu passa- do, nos vemos diante de quão importante fora a sua contribuição.
José da Silva Azevedo já nasceu em Manaus, filho de um verdureiro do Mercado Adolpho Lisboa, que possuía o mesmo nome, e de Maria Ferreira Bernardes, ela lavadeira, que ganhava a vida para auxiliar o marido lavando e passando. Se buscarmos o passado, vamos lembrar da Rua Barão de São Domingos e do pequeno sobrado o qual servia como residência da família, aliás, essa rua que se localizava no perímetro urbano e tinha no passado o Bairro de Calábria o qual começava na Travessa Tabelião Lessa e terminava no litoral do rio Negro. Na antiga Rua Ramalho Júnior, hoje, Barão de São Domingos, estava o sobrado alugado onde a família ocupava a parte superior, sendo a parte inferior um pequeno comércio onde a visão principal era a baía do rio Negro.
A vida é um desafio, uma travessia marcada por provações, sonhos, frustrações e esperanças. Poucos chegam à outra margem, ao ponto onde a existência se completa, e podem colher os frutos das realizações. Só os fortes e persistentes vencem a inconstância, as intempéries e as incertezas da condição humana. A história deste homem simples, nascido no dia 10 de julho de 1910, no dia de Nossa Senhora do Carmo, no velho sobrado da Barão de São Domingos, é a afirmativa desses atributos que caracterizaram a trajetória desse vencedor.
Sua vida foi ilustrativa da trajetória que haveria de construir, muito especialmente, com Maria, uma jovem portuguesa, que conheceu por acaso do destino.
Há homens predestinados para grandes realizações, eles constroem e dão exemplo de vida que ficam marcados para posteridade. O sonho do jovem luso-brasileiro, que fora acalentado por tanto tempo, que seria conhecer Portugal, estava realizado, porém, jamais imaginava da- quela forma, com o pai doente no leito de morte. Mas o tempo haveria de escrever sua história, lá em Portugal, trabalhou por um longo período como professor, trabalho diário percorrido sempre pelo mesmo caminho. Certa vez, conduzindo sua bicicleta em estrada de chão batido, nas Frias de Cima, em frente à casa da família Laranjeiras sofreu um acidente ao bater em uma pedra, essa casualidade lhe permitiu conhecer a jovem Maria que mais tarde, haveria de casar-se, trazendo ao mundo dois filhos José dos Santos da Silva Azevedo, ele comendador e ex-cônsul Honorário de Portugal falecido recentemente e Maria da Conceição dos Santos da Silva Azevedo, empresária já falecida.
Seu retorno ao Brasil, especificamente a Manaus, com a esposa gestante de Maria e um filho pequeno. Aqui trabalhou duro como auxiliar de carpinteiro, em companhia de seu tio Manuel Ferreira Bernardes. Afinal, seu tio era um carpinteiro já reconhecido em Manaus, foram anos duros de trabalho, inclusive, prestando serviço como carpinteiro na sede do Luso Sporting Club.
Os mitos permanecem no ar, é o caso da família Azevedo, sobre- voando a vida de seus descendentes, pois fora ancorado no trabalho por dias melhores, definitivamente, aquele jovem luso-brasileiro, ante- via já naquela época que não fora em vão toda vontade de lutar.
Amealhou algumas economias e montou um botequim, chamado Botequim Lusitano, com vendas de alimentos e bebidas, na esquina das Ruas Independência, hoje, Frei José dos Inocentes, paralela à Rua São Vicente, hoje, Bernardo Ramos, esquina com o Beco José Casemiro. Trabalho árduo e cansativo, ele no atendimento ao público e ela na cozinha.
Em fevereiro de 1936, sua esposa gestante passa a ter complicações e vem a falecer. Posteriormente, vende o Botequim Lusitano e compra uma estância à Rua Henrique Martins, n.º 407, passando a residir com sua mãe e os dois filhos José e Maria, onde o endereço passou a funcionar a sua oficina de carpintaria.
Com algumas economias arrenda um barco e dá início a uma nova vida profissional, a de regatão, subindo e descendo os rios, comprando e vendendo produtos regionais. Esse novo trabalho acabou criando um distanciamento entre o pai e seus filhos, ficando sua mãe Maria Ferreira Bernardes responsável pela criação dos netos.
[…] Condenados a um terrível isolamento, os habitantes dessas circunscrições durante muitas décadas suportavam as dificuldades irremovíveis da navegação fluvial, único meio de que dispunham para se comunicarem com os centros de interesse social. A despótica via natural roubava-lhes o mais precioso dos bens da vida econômica: o tempo. Arrastavam-se os dias, os meses, os anos, arrebatados pela tortuasidade dos rios, pelos verões inclementes, pelos empeços do paralelismo hidrográfico¹.
Anos mais tarde, seu filho José dos Santos da Silva Azevedo, já estabelecido como pequeno empresário e também apaixonado pelas belezas da região, ajuda-o a comprar uma propriedade nas proximidades de Manaus, onde passou a exercer a profissão de pecuarista.
Homem acostumado a navegar pelos nossos rios, aprendeu a amar o vai e vem das águas e o bojo e o rebojo que sempre se desenvolviam provocando mutações coloridas nas águas. Esta homenagem em que nós da família recebemos com muito orgulho, conduzirá o espírito do meu avô a continuar a navegar nas águas do tempo, dos rios deste barco escola que será também missionário do saber. Tenho certeza que, a cada viagem, a cada paragem, seus sonhos e devaneios estarão presentes a iluminar o hoje e o amanhã. Este barco do saber será desdobramento de uma parte de sua vida, em busca de pessoas simples para partilhar conhecimento muito além de nossos próprios horizontes, porém, mais do que pode ser alcançado com os nossos próprios olhos. Este barco lançado pelo Sesc-AM, que levará seu nome².
1 TOCANTINS, Leandro. O Rio Comanda a Vida: uma interpretação da Amazônia. Manaus: Editora Valer/Edições Governo do Estado, 2000. 9. Ed., p. 35.
2 BAZE, Abrahim. A Saga de um Imigrante Português na Amazônia. Manaus: Editora Valer, 2004. p. 35.