A cidade que despertou a admiração de tantos estrangeiros, imigrantes ou visitantes, nas primeiras décadas de 1900, surgiu como por encantamento.
De uma aldeia dos índios Manaus, o antigo Lugar da Barra se transformara num dos mais importantes centro do mundo tropical, graças à vitalidade econômica da borracha, que lhe deu vida, riqueza e encantos, como na Antigüidade, o comércio intenso no Mediterrâneo e no Adriático possibilitou a Roma, Florença e Veneza papel preponderante na economia, nas artes, nas letras e na arquitetura da velha Europa.
Tal como Veneza, por meio de seu comércio de longo alcance com povos europeus e extra-europeus, Manaus veio conhecer o gosto e a experiência de países extra-americanos onde sua burguesia procurava inspirações de vida e de ação. O passeio de férias à Europa era a ocorrência de rotina para a família de Manaus que, por sua vez, de lá traziam ideias e sugestões, transformados em valores culturais, às vezes, um tanto invulgar de uma sociedade desejosa de crescer e firmar-se como força civilizadora.
Cidade de suaves colinas, Manaus desdobra-se em vistas múltiplas para quem a cruze nas avenidas e ruas de um lúcido urbanismo. E não deixa de impressionar a obra urbanizadora da Capital, creditada ao governador Eduardo Ribeiro, a topografia da cidade, antes do governo dele, vislumbrava-se em cortes hidrográficos: era o igarapé do Salgado, o igarapé Castelhana, o igarapé da Bica, o igarapé do Espírito Santo, o igarapé de Manaus, o igarapé da Cachoeirinha, o igarapé de São Raimundo, o igarapé de Educandos, etc.
Eduardo Ribeiro aterrou os caudais em benefício de um urbanismo funcional, que lutou conta a natureza até fazer secar os pequenos cursos d’água, transformados em amplas avenidas.
A Avenida Eduardo Ribeiro, com sua imponência, resultado do aterro do igarapé do Espírito Santo. Outros tantos igarapés, atravessados por sólidas pontes de ferro, em disposições geométricas artisticamente apresentadas. O Teatro Amazonas, erigido no topo de uma colina, como se fosse a Acrópole dos Deuses da floresta, marca a Capital no espaço e no tempo, inaugurado em 1896.1
“Ela foi mulher na essência do verbo. Era uma jovem que acreditou na terra que o destino lhe houvera reservado.
Aqui trabalhou duro, deu sua juventude, entregou sua velhice com a soma do mais alto cometimento humano. Seu corpo foi aquecido pela força do sangue português, o que provocou um encontro da energia com o trabalho, na busca por realizar sonhos, sob a luz incandescente do sol da Amazônia. Lavou e passou, pois o objetivo maior era o sustento de seus netos, José e Maria.
Ela mesclou com o labor do cotidiano a soma do binômio avó e mãe. Por tudo isso, ofereço, dedico e consagro esta obra à senhora Maria Ferreira Bernardes”.
Cidade rica, progressista e alegre, calçadas com granito e pedra de liós trazidas de Portugal, sombreadas por frondosas mangueiras e, de praças e jardins bem cuidados , com belas fontes e monumentos, tinha todos os requisitos de uma grande urbe moderna: água encanada e telefonias; energia elétrica, rede de esgoto e bondes elétricos deslizando em linhas de aço espalhadas por toda a malha urbana e penetrando na floresta até os arredores mais distantes do bairro de Flores. O seu porto flutuante, obra-prima de engenharia inglesa, construído a partir de 1900, o qual recebia navios de todos os calados e das mais diversas bandeiras.
O movimentado centro comercial regurgitando de gente de todas as raças, nordestinos, ingleses, peruanos, franceses, judeus, norte-africanos, norte-americanos, alemães, italianos, libaneses, portugueses, caboclos e índios.
A Avenida Eduardo Ribeiro concentrava um número expressivo de casas comerciais. Nas proximidades do Mercado Municipal, ruas Marcílio Dias, Guilherme Moreira, Quintino Bocaiúva, Sete de Setembro, Henrique Martins, Instalação, Praça XV de Novembro. Tudo o que o comércio internacional oferecia à época poderia ser encontrado nesta longínqua cidade, plantada a milhares de quilômetros dos principais centros capitalistas.
Atividades comerciais bem constituídas abrigavam no andar inferior, o comércio e no andar superior a residência do proprietário, instalado próximo ao seu trabalho, era razão para uma dedicação de maior tempo ao trabalho, o que ocorria normalmente das 7 às 21 horas.
Esse espaço residencial era o que predominava em nosso centro comercial. Mais afastadas como a Praça dos Remédios, ao longo da Joaquim Nabuco, Praça de São Sebastião, Sete de Setembro, Barroso, 24 de Maio, Saldanha Marinho e outras ruas circunvizinhas, dispunham-se as residências mais ricas, magníficos palacetes construídos no melhor estilo da época, assoalhos de acapu e pau-amarelo e pinho de riga, onde o sol vazava as janelas e vitrais europeus. As salas normalmente iluminadas de belíssimos lustres europeus, paredes e tetos decorados de pinturas em telas ou de afrescos.
Seus salões amplos exibiam luxuosíssimos móveis, porcelanas, cristais e pratarias e que permaneciam sempre abertos para receber visitas e festas de aniversários, banquetes e saraus, as diversões familiares da belle époque.
Casas de alvenaria com porões habitáveis, com fachada de painéis de azulejos europeus, com suas entradas de escadas em degraus de pedra de liós ou madeira, sala de visita, alcova, sala de jantar, o grande corredor ladeado de dois ou três quartos, cozinha e demais dependências.
As famílias de menores recursos habitavam as extensas vilas de casas populares, o que ainda encontramos hoje nas ruas 24 de Maio, Lauro Cavalcante e Joaquim Nabuco e as chamadas estâncias, extensas construções de meia-água, divididas em pequenos quartos para aluguel. Entre os hotéis destacavam-se o Cassina, na Praça Dom Pedro II e, o Grand Hotel, na rua Municipal, 70, belíssimo edifício de dois andares, com quarenta e dois quartos, cujos, cômodos eram decentemente mobiliados.2
Referências
1 TOCANTINS, Leandro. O rio comanda a vida – uma interpretação da Amazônia. Págs. 188-189.
2 LOUREIRO, Antonio. A Grande Crise. Págs. 33-34.
BAZE, Abrahim. Luso Sporting Club – A Sociedade Portuguesa no Amazonas. Editora Valer: 2007.