Bernadete Andrade: o passado que emana o presente

Bernadete Andrade foi uma importante artista e pesquisadora amazonense. Seu trabalho artístico e acadêmico se preocupa em resgatar a memória cultural dos povos originários do Amazonas.

Bernadete Andrade nasceu em 1953, em Barreira, município do interior do estado do Amazonas. Ainda na infância, aos sete anos de idade, passou a residir na cidade de Manaus. Foi, aliás, no período fecundo da infância, que a artista iniciou o contato com os mitos e a cultura indígena, algo que era compartilhado pelas histórias contadas pelos pais. Esses ensinamentos, foram responsáveis por criar memórias e estabelecer conexões com o meio amazônico, como chegou a afirmar1.

Com atuação multifacetada, Bernadete Andrade atuou como artista visual, cenógrafa, pesquisadora, educadora e se manteve ativa nas questões político-sociais. Além de professora do curso de Educação Artística da Universidade Federal do Amazonas, ocupou o importante cargo público da superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), cuja atuação foi responsável pela criação do programa Brasil Patrimônio Cultural, que fez o levantamento de sítios e coleções arqueológicas no Médio Amazonas.

A artista Bernadete Andrade pintando em seu ateliê, 1991. Fotografia extraída do livro “Bernadete Andrade: por entre pinturas e cidades imaginárias”, organizado por Priscila Pinto. 

Em um período em que artistas amazonenses recebiam pouco ou nenhum destaque – algo que perdura até o presente momento, mas esse assunto pode ser debatido em outro momento -, Andrade conquistou seu espaço, não somente em Manaus, mas nas metrópoles hegemônicas nacionais, expôs trabalhos no Museu de Arte Contemporânea da USP e no 8.º Salão de Artes Plásticas da Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Além das passagens por Rio e São Paulo, a artista participou da 1.ª Bienal Latino-Americana de Arte sobre Papel, no Museu de Arte Moderna de Buenos Aires.

Assim como outros artistas amazonenses de sua geração, como Otoni Mesquita e Jair Jacqmont, Bernadete Andrade completou sua formação artística na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. Nesse período sua produção passou por um processo experimental, refletindo diferentes influências expressionistas, abstratas e neoconcretas.

As faces da lua, mista s/ tela 185 cm x 65 cm, 1993, Bernadete Andrade. Acervo da Pinacoteca do Estado do Amazonas.

Foi a partir das reflexões com a produção indígena, em especial com os Dessana, que a artista passou a se interessar ainda mais por uma linguagem ancestral. Sua obra reflete, como um todo, a criação de uma linguagem particular em homenagem àqueles que um dia habitaram à terra dos Manaós. Essa era, aliás, uma das principais preocupações da artista: resgatar, por meio do simbolismo e dos grafismos indígenas, a cidade que um dia perdeu suas referências ancestrais.

Como ressalta Priscila Pinto2Bernadete nos revela o sopro da memória, o cântico das tribos, a visualidade adormecida da origem de todos nós“. Em algumas obras da artista, a relação da cidade com a simbologia e cosmogonia são mais evidentes. As cidades, muitas vezes com traços neoclássicos, são mescladas à visualidade amazônica com diferentes ornamentos de grafismos. Sua paleta composicional de tons terrosos vibrantes, também fazem referência ao ancestral.

Inscrição do oráculo 2, mista/tela 100 cm x 100 cm, 1996, Bernadete Andrade. Acervo da Pinacoteca do Estado do Amazonas.

A valorização e busca pela visualidade amazônica, na obra da artista, pode ser observada também nos elementos plásticos utilizados em suas produções, como, por exemplo, na experimentação de diferentes pigmentos de solo para criação de tinturas naturais.

Sua obra poética, além de ganhar destaque pelo apelo estético, apresenta criações míticas, experimentos científicos e reflexões filosóficas. Cabe aqui mencionar que, em suas pesquisas, tanto de mestrado quando de doutorado, Bernadete Andrade ressalta a importância dos povos originários. Assim, ao mesmo tempo em que a artista usava teóricos já apreciados na academia, também se baseava em autores e líderes indígenas, como em Ailton Krenak, David Kopenawa Yanomani, Tolamãn Kenhíri e Feliciano Lana, para citar alguns.

Bernadete Andrade, que tem sua produção concentrada durante a década de 1980 até o início dos anos 2000, escutava e transmitia o que os povos originários tinham a dizer, dando visibilidade a esses, quando lhes faltava espaço na academia e nas artes visuais. A obra da artista, portanto, dialoga com temas atuais.

A artista faleceu em 2007, em Manaus. Suas obras estão espalhadas entre acervos públicos e particulares, algumas delas podem ser apreciadas na Pinacoteca do Estado do Amazonas.

Para conhecer mais detalhes sobre a vida e obra de Bernadete Andrade, acesse o vídeo 9, da websérie Visualidades Amazônicas:

Referências

1 A artista relata algumas das memórias que foram construídas ainda em sua infância no interior em sua tese “Cidade Mítica: uma poética das ruínas ou a cidade vista pelo artista”. O trabalho foi publicado como obra póstuma, em 2021, pela editora Valer.

2 Artista e pesquisadora amazonense. Sua pesquisa de mestrado possuiu como tema a obra de Bernadete Andrade, destacando o simbolismo da cobra. Parte da pesquisa, realizada por Priscila Pinto, resultou no livro “Bernadete Andrade: por entre pinturas e cidades imaginárias”, publicado pela editora EDUA.

Sobre as autoras

Lorena Machado é artista e pesquisadora amazonense, possui mestrado em Letras e Artes (Universidade do Estado do Amazonas) e graduação em Artes Visuais (Universidade Federal do Amazonas).

Karen Cordeiro é artista e pesquisadora amazonense, possui mestrado em Letras e Artes (Universidade do Estado do Amazonas) e graduação em Artes Visuais (Universidade Federal do Amazonas). Possui como área de pesquisa a História da Arte no Amazonas.

*O conteúdo é de responsabilidade das colunistas


Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Publicidade

Mais acessadas:

Fitoterapia brasileira perde a botânica e farmacêutica Terezinha Rêgo

Reconhecida internacionalmente, a pesquisadora desenvolveu projetos como a horta medicinal que beneficiou centenas de famílias periféricas no Maranhão e revelou revolta em caso que envolvia plantas amazônicas.
Publicidade

Leia também

Publicidade