Não seja ingênuo, esteja sempre alerta: ladrão existe em todo lugar e o mal está sempre à espreita

Pela minha experiência de vida (mais de 50 anos de idade) e profissional (mais de 30 anos como policial militar), aprendi que ladrão tem em todos os lugares.

Depois de alguns dias curtindo um merecido e necessário descanso, estamos de volta à nossa coluna ‘Segurança pública e cidadania’. Em nossas férias em família visitei diversas cidades, algumas delas na Chapada Diamantina na Bahia, lugar lindo, repleto de belezas naturais, cachoeiras, grutas, morros, penhascos etc. Em uma de nossas visitas a uma das inúmeras cachoeiras da região, todas precedidas de trilhas quilométricas, e sempre acompanhados de um guia (muito importante estar acompanhado de quem conhece as trilhas e perigos da região) tínhamos de deixar nossas mochilas com documentos, dinheiro e chaves do veículo (íamos de carro até um determinado ponto onde iniciava a trilha) em um lugar afastado da cachoeira para não molhar as coisas e poder tomar banho tranquilamente.

Como o “seguro morreu de velho”, sempre levo comigo um saco estanque à prova d’água pra guardar os documentos, dinheiro, chaves do carro e celular. Carrego o saco comigo durante o banho, tendo ele sempre a minha vista ou ao alcance, pois tem outras pessoas (turistas) no mesmo lugar e tenho receio de que possam ser furtados. Em determinada ocasião o guia disse que eu não deveria me preocupar, pois “na Chapada não tem ladrões”. Pela minha experiência de vida (mais de 50 anos de idade) e profissional (mais de 30 anos como policial militar), aprendi que ladrão tem em todos os lugares.

As palavras do guia demonstram um certo grau de ingenuidade e/ou ignorância. É muita ingenuidade achar que as pessoas de sua comunidade não seriam capazes de cometer um furto, um roubo ou outro crime qualquer. Não existe lugar isento de maldade e de pessoas incapazes de cometerem crimes. A vida nos ensina isso. Os noticiários jornalísticos não nos deixam esquecer que existem criminosos em todos os lugares e em todas as categorias profissionais. Infelizmente até entre aqueles que deveriam combater o crime ou dar o exemplo existem os que praticam crimes (policiais, juízes, promotores, políticos, advogados, líderes religiosos etc.). E não estou falando apenas dos crimes contra o patrimônio (furto, roubo etc.), mas de todo e qualquer crime.

Foto: Divulgação

O mal é como um animal selvagem à espreita, esperando o momento adequado para atacar. Existe um famoso ditado que diz: “a ocasião faz o ladrão”. Prefiro uma outra versão dele: “a ocasião revela o ladrão”. Quem é honesto, em qualquer ocasião se comportará honestamente, mas quando se é desonesto (ladrão), basta aparecer a oportunidade para praticar o furto (crime).

Considerando o exposto, podemos afirmar que o comportamento da vítima pode ser determinante para que o crime aconteça. Não estamos dizendo que a vítima é responsável pelo crime praticado, de forma alguma. A responsabilidade é do criminoso. O que quero dizer é que um comportamento preventivo, defensivo, prudente, cauteloso, pode evitar que um crime aconteça.

Há pouco disse que “o mal é como um animal selvagem à espreita, esperando o momento adequado para atacar”. O momento adequado para atacar é quando a vítima (presa) está desatenta, distraída. Não podemos nos comportar como diz aquela música dos Titâs: “o acaso vai me proteger quando eu andar distraído”. Já disse em outro artigo que escrevi nesta coluna que não podemos deixar nossa segurança a cargo do “acaso”, entregues à própria sorte. Não, de forma alguma. 

A nossa segurança está sob a responsabilidade o Estado (segurança pública eficaz) e em nossas mãos. Cada um de nós precisa fazer a sua parte para evitar/prevenir o crime (mal). Um bom exemplo disso aconteceu em Salvador, BA, ainda nessas férias: enquanto passeávamos pelo Centro histórico, mais precisamente no ‘Elevador Lacerda’, fomos abordados por guardas municipais que estavam fazendo policiamento ostensivo nas imediações. Eles nos orientaram a não andar com relógios caros, pulseiras e cordões de valor, bem como com os celulares na mão ou no bolso da calça. São orientações importantes, pois não chamam a atenção dos ladrões e ainda criam dificuldades para eles.

Foto: Divulgação

O criminoso, ao se decidir sobre a prática de um crime, faz uma análise de custo-benefício. Ele se questiona: “Pratico ou não o crime?”; “Furto essa ou aquela pessoa?”; “Roubo esse ou aquele carro?”. “Acho que o custo-benefício desse aqui é melhor”. Todos nós já fizemos análise de custo-benefício em nosso cotidiano, na vida pessoal ou profissional. Os criminosos também fazem essa análise. Essencialmente, uma análise de custo-benefício consiste em avaliar de maneira estruturada os prós e contras de uma decisão, ou seja, o que se ganha e o que se perde com a escolha.

A prática de um crime importa em riscos: de ser preso, de sofrer uma lesão corporal em razão de resistência da vítima ou de terceiros, ou até mesmo de morrer (legítima defesa da vítima ou de terceiros). O criminoso não quer ser preso nem sofrer alguma lesão. Ele quer o êxito do crime e o usufruto do produto do crime. Assim sendo, o criminoso, em regra, escolhe o alvo mais fácil e o bem mais vantajoso.

Além da análise de custo-benefício, o comportamento dos criminosos, principalmente dos que cometem crimes contra o patrimônio, é guiado pela oportunidade de se praticar crimes, o que se explica pela teoria da “atividade de rotina”, formulada pelos pesquisadores norte-americanos Cohen e Felson. Segundo eles, o crime não é um comportamento aberrante ou extraordinário, mas um evento normal, que pode e deve ser esperado dentro de oportunidades e condições apropriadas. 

Foto: Divulgação

Para eles, “o crime é uma opção reflexiva, calculada, oportunista, que pondera os custos, riscos e benefícios em função sempre de uma oportunidade ou situação concreta”. Quando o delinquente identifica em uma situação indícios de uma boa oportunidade para a prática de um delito é quando se dá a condição para que ele decida cometê-lo¹.

Na visão desses autores, o fator determinante para a ocorrência do crime não é a presença de um criminoso motivado, mas se há uma oportunidade adequada para tanto. Com isso, a vítima também passa a ser responsável pela prevenção do crime.

GOMES e MOLINA ensinam que:

“as estratégias convencionais de prevenção devem ser complementadas com outras, rotineiras, quase domésticas, associadas aos estilos de vida, hábitos, costumes e atividades rotineiras do indivíduo e das organizações. Sendo o risco de vitimização um risco diferencial, seletivo, não resta dúvida que uma elementar atitude de cuidado e vigilância, de responsabilidade e cautela, por parte da vítima potencial em determinadas situações mitigará sensivelmente aquele com êxitos preventivos muito relevantes”.²

Nessa selva em que vivemos, não podemos ser descuidados ou distraídos, devemos evitar ser vítimas preferenciais ou apropriadas.

Se o mal está à espreita, esperando a oportunidade de atacar, nós devemos estar sempre alertas e vigilantes, com uma “elementar atitude de cuidado e vigilância, de responsabilidade e cautela”, o que poderá mitigar potencial ação criminosa e fazer com que o meliante desista da prática do crime ou escolha outro alvo. 

¹DASSAN, Pedro Algusto. A nova criminologia Administrativa. Revista Jurídica vol. 03, n°. 44, Curitiba, 2016. pp. 381-410

²MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

Sobre o autor

Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

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