Dos seringais aos dias de hoje, Rondônia resulta da força do trabalho dos anônimos

Nesta segunda-feira, faz 80 anos a criação da CLT

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) completa 80 anos hoje, Dia dos Trabalhadores. Mas, 50,4% dos rondonienses não têm a emblemática carteira azul.

O percentual garante a Rondônia a 11ª posição nacional entre os estados com mais pessoas atuando na informalidade. Segundo o IBGE, o índice local é alto: 10,4% a mais do que a média nacional.

Quem atua nesta condição, mesmo tendo ganhos que garantem sua sobrevivência, não tem direitos trabalhistas, como férias, 13º salário, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) ou benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) como auxílio-doença, salário maternidade, e Seguro-Desemprego.

Soldados da borracha deixam o Ceará com destino a Amazônia – Foto: Iconografia

Alternativa 

Mariângela Bastos Ferreira é doméstica. Nascida no Nordeste, mora no centro de Vilhena (sul de Rondônia) em um apartamento alugado, tem 42 anos, e a filha 5. Depois de quatro anos trabalhando com registro em carteira, perdeu o emprego em 2021, no auge da pandemia da Covid-19. Abriu uma empresa na categoria MEI (microempreendedor Individual), “com medo de não ter como se aposentar”, e trabalha como diarista.

Ela faz parte de uma legião de pessoas na mesma condição. São os novos tempos das relações de trabalho. “Eu já nem busco mais ter carteira assinada. Está muito difícil”, atesta.

Os valores mensais da contribuição MEI de 2023 são: R$ 67,00 para comércio ou indústria. Não garante direito ao PIS (Programa de Integração Social), do governo federal, afinal, esse benefício é um abono salarial anual destinado aos trabalhadores sob regime de CLT. 

História 

Foi no 1º de maio de 1943 que o presidente da República, Getúlio Vargas, sancionou a CLT. Coincide com o ano da criação [em setembro], também por Vargas, do Território Federal do Guaporé — embrião administrativo do estado de Rondônia. Vivia a localidade da força de um tipo de trabalho que, pelos parâmetros atuais, poderia ser considerado análogo à escravidão: o 2º Ciclo da Borracha. 

Desde o começo 

Em decorrência do Acordo de Washington, de 1942, trabalhadores, em sua maioria nordestinos, conhecidos como “soldados da borracha”, foram tapeados pelo Governo Federal com a promessa de retorno às suas terras após a Segunda Guerra Mundial. Restaram abandonados ou vitimados por doenças tropicais e a violência na Floresta. Foram, inclusive, escravizados em plena República, com o aval do Estado.

Cerca de 60 mil foram os seringueiros arregimentados e trazidos para atuais estados da Amazônia para extrair o látex, entre 1941 e 1945, durante a Segunda Guerra Mundial.

Quem mais lucrou com isso foram os Estados Unidos, que necessitavam do insumo por causa da guerra. Quando o conflito acabou, a extração de borracha decaiu e os “arigós” [como os trabalhadores também eram conhecidos] terminaram largados à própria sorte pelo “pai dos pobres”, Getúlio Vargas, que estava deixando o governo, e os que o sucederam.

Tudo gera um reflexo. Uma geração “imita” a outra. Até hoje, é no Norte do Brasil que está a maior parte dos trabalhadores que atuam na informalidade. O líder é o Pará, com 61%, acompanhado por Amazonas (57,7%)… 

Um estado nascido pelas mãos dos trabalhadores 

Quando se fala em grandes obras que deram origem a Rondônia — e não é diferente em qualquer outro lugar do mundo — quem aparece como “construtor” é o político da vez. Quem construiu Brasília? Juscelino Kubitscheck. Não, não foi. Foi o indutor, o instigador, isso ele foi. E foi também um incansável trabalhador. Mas quem, efetivamente, constrói é quem pega no batente.

No geral, trabalhadores viram apenas números. Em Rondônia, há o registro de que cerca de 20 mil trabalhadores de 50 pátrias instalaram a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, que deu origem a Porto Velho. Só números. Não há nomes. Até o cemitério com suas lápides foi destruído. Só dos chefes e do “titã” estadunidense Persival Farquhar há referências biográficas. Ah, ainda não havia CLT entre 1907 e 1912, quando da construção da ferrovia.

E a BR-364 (então BR-29)? Serpenteada em pleno selva, a partir de 1960, sua abertura empregou mão de obra de trabalhares de muitas partes do país. Quantos? Destes, não há sequer precisão de números.

No 4 de julho daquele ano, quando a obra foi dada como inaugurada, foi JK aclamado [com justiça pela idealização e determinação política] após derrubar a última sapopema que impedia a passagem na rodovia que permitiu a onda migratória que consolidou Rondônia, vinda pela rodovia Brasília-Acre.

Na imprensa, falava-se do grande feito. Citavam JK, seu otimismo e coragem, e as construtoras que acorreram aos ideais progressistas do “Presidente Bossa Nova”. Mas e os trabalhadores acampados e desprotegidos em meio ao campo inóspito, distantes dos confortos e de direitos elementares?

A CLT vigorava. Mas nem todos tinham carteira de trabalho. Há notícias do uso de operários indígenas que recebiam, semanalmente, pelos serviços prestados às construtoras, sem mais garantias. 

Trabalhadores são todos 

Aqui não se tira o mérito dos trabalhadores de “níveis mais elevados”. Todos são fundamentais. Todos. O que se questiona é que apenas os que comandam, idealizam ou financiam as ações acabam lembrados na história. É um erro da história, e não dos seus protagonistas. Não se fala em culpa.

O sertanista Marechal Rondon — patrono de Rondônia — sempre fez questão de registrar os nomes de seus camaradas, civis e militares. Não deixava de exaltar os indígenas que lhe serviam de guias na exploração da Amazônia. E recebiam por isso. Mas quem são eles na história que se escreveu e que se tornou oficial? Nomes, por favor. 

Sobre o autor

Às ordens em minhas redes sociais e no e-mail: julioolivar@hotmail.com . Todas às segundas-feiras no ar na Rádio CBN Amazônia às 13h20.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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