Conheça as belezas da Serra do Divisor, no Acre

 

O parque, que leva o mesmo nome, criado em 16 de junho de 1989, tem uma área de mais de 837 mil hectares

Na porção mais oeste do Estado do Acre, extremidade situada na divisa do Brasil com o Peru, encontra-se a Serra do Divisor, local onde a geomorfologia acidentada abriga uma das maiores biodiversidades do planeta e seguramente a mais preservada da Amazônia brasileira.

 
O parque, que leva o mesmo nome, criado em 16 de junho de 1989, tem uma área de mais de 837 mil hectares e é gerido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e também abriga comunidades indígenas e ribeirinhas.

Foto: Diego Gurgel/Ascom
 
A logística para se alcançar tamanha beleza não poderia ser mais trabalhosa, uma vez que, saindo de Cruzeiro do Sul, distante 634 km da capital acreana, deve-se percorrer 43 km de carro até o município de Mâncio Lima, às margens do Rio Japiim, que desemboca no Rio Moa, caminho até a Serra do Divisor. Dependendo do nível do rio, a viagem demora cerca de nove horas em barco de motor de popa até o destino final.

 
Durante esse longo trajeto pelo sinuoso rio, contempla-se uma paisagem familiar para quem viaja pelos rios do Acre. Simpáticos moradores que não cansam em acenar e famílias inteiras em pequenas e médias embarcações, desenvolvendo suas atividades corriqueiras.

Foto: Diego Gurgel/Ascom
 
Nesta época do ano (agosto e setembro), praias de areia fina e branca surpreendem a cada curva, que contrastam com as águas escuras do Moa, com a rica e verde floresta por trás, e um céu azul intenso compondo um cenário exótico e peculiar.

 
Ao longo do dia o rio vai estreitando e a frequência de embarcações vai diminuindo, assim como as moradias no alto dos barrancos vão surgindo com distância maior entre si. Ao cair da tarde, já é possível ver entre a copa das árvores, no horizonte, as primeiras formas serranas que dão o ar de transição entre as terras baixas da Amazônia e as montanhas dos Andes, o que significa a chegada ao destino final.

 
O último morador do Moa

 
Com o sol ensaiando seu adormecer por trás da serra, chegamos à casa do último morador do Rio Moa.

 
Enquanto o barqueiro amarra o bote às margens do calmo rio, a figura sorridente de Agimiro Magalhães, ou Miro, como é mais conhecido, vem descendo a escadaria de sua residência, que é uma pousada construída com suas próprias mãos.

Foto: Diego Gurgel/Ascom
 
As boas-vindas são, além do sorriso, um abraço, e um lanche farto preparado por ele e sua esposa, Vanessa.
 
Mandioca cozida e frita, peixes da região e tapioca são apenas uma amostra do que haverá durante todos os dias.

 
Como ainda não anoiteceu, há tempo de pular num dos barcos e visitar uma das primeiras atrações do parque: A Cachoeira do Ar-Condicionado, que é relativamente próxima à pousada do “seu Miro”.

 
Do outro lado do rio, segue-se alguns minutos de trilha por um córrego de águas cristalinas e fundo de areia até chegar à cachoeira que sopra um vento frio graças à velocidade da água, e por isso foi batizada com esse nome.

 
Depois de uma pequena pausa para registros, é hora de voltar ao barco, retornar à pousada para o jantar e descansar do longo dia de viagem.
 
 
Foto: Diego Gurgel/Ascom

Contemplação do alto

 
Antes de amanhecer, acordamos e preparamos todo o equipamento para a subida ao mirante do Parque. Queríamos chegar ao topo antes de o sol nascer.

 
Como de praxe, Miro já havia preparado um “quebra-jejum” digno de quem precisa de muita energia para subir mais de 400 metros acima do nível do mar, o que é consideravelmente alto para a região.

 
Depois de 40 minutos de caminhada íngreme, é possível ver, inclusive, a mudança da vegetação. Fica óbvio que é preciso ter condicionamento físico para viver ali, como Miro, que tem 48 anos.

Foto: Diego Gurgel/Ascom
 
Ao chegar ao mirante, ainda sobe-se numa plataforma, de aproximadamente quatro metros de altura, construída por ele para facilitar a visualização de todo o horizonte do parque, do Rio Moa, incluindo a casa dele, que, daquela altura, parece ser de brinquedo, de tão pequenina naquela imensidão iluminada pela luz dourada dos primeiros raios de sol sob a neblina que pairava naquele dia especial.

 
No restante do dia, ainda percorremos o rio adentrando a serra, entre grandes rochas e paredões conhecendo um pouco mais do que o lugar esconde.

 
O grande trunfo

 
E chega o grande dia de visitar a Cachoeira Formosa, considerada a cachoeira mais bonita descoberta na região (possivelmente existem diversas ainda não conhecidas), e também a que exige maior esforço do visitante. Uma caminhada de 15 quilômetros que dura de quatro a cinco horas, dependendo do ritmo empreendido, o que faz com que a maioria das pessoas acampe no local e fique o resto do dia usufruindo o manancial e retornando no dia seguinte, caminhando mais 15 quilômetros.

Foto: Diego Gurgel/Ascom
 
Fizemos exatamente o contrário e decidimos ir e voltar no mesmo dia, o que significa que seria um dia inteiro de caminhada, totalizando 30 quilômetros.

 
Começamos a trilha na casa de um dos moradores logo cedo, e entramos na floresta densa. De vez em quando encontramos famílias que dividem uma casa de farinha, e que cruzam a trilha carregando a mandioca com ajuda de bois.

 
Durante todo esse tempo conversamos, nos impressionamos com aves e macacos, mas depois a caminhada exige mais seriedade e concentração. Quando o cansaço ocupa o lugar dos pensamentos, encontramos o Igarapé Anil, onde saciamos a sede, e nos preparamos para o último “estirão”. A Formosa está próxima.

 
Enfim, chegamos! Após uma longa caminhada dentro do próprio igarapé que corta um pequeno cânion rochoso, somos surpreendidos por duas grandes quedas d’água. Chegamos à Formosa! Agora, teremos somente alguns minutos para fotografar, filmar e nos refrescar, pois ainda temos todo o caminho de volta antes do anoitecer.

 
Depois de regressar às margens do Rio Moa já no cair da tarde, o cansaço chega de verdade. Calos e machucados são a lembrança da aventura extrema.

Foto: Diego Gurgel/Ascom
 
Durante a noite é possível ouvir todo tipo de sons da natureza. É hora de conversar com Miro durante o farto jantar e ouvir as histórias de como é ser morador orgulhoso em um lugar tão especial.

 
Ele nos contou como foi ter nascido ali, ser criado num lugar que agora chama a atenção de turistas do mundo inteiro, principalmente os observadores de pássaros, que descobriram que o local é berço de aves que em nenhum outro lugar é possível ser avistado. E também como foi construir com tamanho capricho uma pousada que oferece café da manhã, almoço e jantar, como cama, lençóis limpos e um delicioso café.

 
Fica claro que a Serra do Divisor, incontestável joia natural, mantém-se ali por esforço de políticas públicas, da criação e proteção do parque, mas também por possuir um morador empenhado em mostrar ao mundo como é ser um guardião das belezas naturais. É possível ver a satisfação de Miro ao dizer como foi carregar ferramentas para o topo da serra e construir um mirante autorizado pelo ICMBio para valorizar ainda mais o lugar e atrair mais pessoas para lá. E como foi cobrir sua morada com palha nativa com a destreza de um artesão, em vez de usar telhas fabricadas. A Serra do Divisor é a floresta, os morros, os animais, as cachoeiras e gente como Miro.

Foto: Diego Gurgel/Ascom
 
Com aroma de café, acordamos mais uma vez, no último dia de estadia. Ali estava a figura de Miro na sua cozinha iluminada apenas pela chama do fogão à lenha e uma pequena luminária que o ajudava a preparar o desjejum.

 
Depois de carregar o barco com a bagagem, conversamos pela última vez e nos despedimos. Miro não tirou os olhos do barco enquanto não dobramos a primeira curva do Rio Moa de volta pra casa, assim como a Serra foi testemunha da nossa partida até que se escondesse no horizonte.

Texto e Fotos: Diego Gurgel Secom/Acre

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

O futuro incerto dos botos da Amazônia no meio de uma seca histórica

Este ano, a seca dos rios amazônicos já é pior que a de 2023, quando 209 botos-cor-de-rosa e tucuxis foram encontrados mortos no Lago Tefé, no Amazonas, em grande parte devido ao superaquecimento das águas.

Leia também

Publicidade